quarta-feira, 9 de maio de 2012

GUINÉ BACHILE 1972-1974 VI




A cidade recebeu nesta época uma natural invasão de populações oriundas de outros locais do território onde as consequências da guerra eram mais sentidas.

Noutras ocasiões desloquei-me a Bissau com a missão de escoltar guerrilheiros detidos no mato para serem interrogados pela nossa polícia política (PIDE-DGS).

 Esta era uma situação pouco cómoda para mim, porque se revestia de uma enorme responsabilidade, requerendo uma extrema e constante atenção, pois era impensável deixar fugir um prisioneiro.

Nas primeiras deslocações à cidade, ao longo do caminho e dada a brancura da pele os guinéus e a velhice (militares em fim de comissão) entoavam a velha canção de guerra “Periquito vai no mato olé, olé olé que a velhice vai para a metrópole olé, olé, olé”.

As populações nativas normalmente recebiam-nos com gentileza apesar do seu natural distanciamento.

Bissau era uma cidade pequena, carenciada, confusa, de imensos contrastes e algo agitada mas, onde talvez por tudo isto apetecia estar.

Quando nada havia para tratar em Bissau e sentia a necessidade de descarregar durante umas horas o stress acumulado no ambiente do nosso pequeno Vietname, (designação atribuída aos locais mais difíceis no interior) tentava conseguir sempre com a cumplicidade do meu chefe o sargento Guerreiro, motivo para justificar a respectiva guia de circulação para assim poder dispor de mais tempo livre para usufruir da cidade.

Mais tarde, noutras visitas, foi-me possível apreciar com mais pormenor a cidade que nos últimos anos, tinha duplicado em muito os seus habitantes.

Um quarto da população da Guiné concentrava-se em Bissau dando origem à construção de vários bairros de negros na periferia como os de Santa Luzia, Bandim entre outros.

O Cupelon (Pilão) bairro popular atravessado pela estrada para o aeroporto, situado na periferia era um misto de irresistível atracção e de perigo potencial, de gente séria e trabalhadora, mas também habitado por muitas e belas raparigas guineenses e cabo-verdianas que fugiam à guerra e tiravam partido da presença de muitos militares em trânsito ou aquartelados em Bissau e arredores.

Dizia-se ser um bairro muito perigoso havendo frequentes recomendações para que ao Pilão nunca ir só porque,” os gajos eram todos turras”, mas o convívio com aquela gente fascinava, fosse pelo exótico dos usos ou pela atracção das raparigas a quem chamava-mos bajudas, independentemente de o serem.





Ignorando um potencial perigo porque era evidente o apoio que a guerrilha tinha em vários quadrantes e porque o conflito era sentido um pouco por todo o lado, andei por lá algumas vezes sozinho e de uma forma muito natural, mesmo apesar do que muito se ouvia, nunca me sucedeu ter passado por qualquer situação mais problemática.

Bissau, tinha uma vivência muito agitada, com bastante comércio, muita alegria e grande movimento causado pela permanência de muitos militares fixados ou de passagem porque era ali que se localizava o hospital militar, que recebia os militares vindos de todo o território para as consultas externas e onde também se registava uma grande concentração dos comandos das NT onde residiam muitos dos oficiais e suas esposas em bairros de moradias também criados para o efeito.




Estacionavam pontualmente na cidade grupos de comandos, fuzileiros e pára-quedistas que, ao menor pretexto se envolviam provocando autênticas batalhas em que as cadeiras e mesas de ferro das esplanadas, voavam arremessadas avenida abaixo e só a intervenção da P.M. (Policia Militar) e da P.A. (Policia Aérea) conseguiam pôr cobro.

Ainda em Bissau estavam localizados alguns dos poucos estabelecimentos de ensino com grande relevância para o liceu Honório Barreto


A cidade dispunha também de outros edifícios de interesse público é exemplo os Correios, o Hospital Central, os serviços da TAP, o Banco Nacional da Guiné, o Palácio do Governador a Catedral e outros relacionados com o comércio típico e tradicional destacando-se entre outras as principais lojas como os armazéns Pintosinho, a casa Gouveia e a Taufik Saad, onde a procura era muita e a oferta variável.



Era na cidade de Bissau, que se centralizavam e se desenvolviam as principais actividades económicas.

À noite, era mais complicado andar por alguns locais dos arredores da cidade, só os militares que vinham do mato sofrendo da fobia do arame farpado, arriscavam andar em Bissau e arredores, indiferentes aos perigos a que estavam sujeitos.

Nesta época, já começavam a surgir notícias de ataques à cidade de Bissau e arredores.
A Base Aérea de Bissalanca chegou a ser atacada por foguetões de origem soviética de 122 mm, que possuíam um alcance superior a vinte quilómetros, sinais de uma evidente melhoria de organização das tropas do PAIGC.


Noutras visitas que efectuei a Bissau com maior disponibilidade, percorria a avenida do Império, via principal da cidade com duas faixas separadas por uma placa central, bem arborizada e com imensos bancos onde tantas vezes, por força





  das elevadas temperaturas, me sentei descansando, contemplando a paisagem ou fazendo horas para o almoço. Depois passando pelo café Portugal, ia até ao palácio do governador e descansava um pouco junto da catedral, símbolo do catolicismo e que penso ser de construção dos anos 40 ou 50, mas que nunca tive curiosidade em visitar, embora para alguns a existência desse templo tivesse sido muito importante como elemento de conforto espiritual.




 Passava de seguida pelo velho e degradado cinema UDIB, propriedade da (União Desportiva Internacional de Bissau), junto do Banco Nacional Ultramarino e ia até ao mercado de Bandim, (mercado de Bissau), muito rico em artesanato com grande destaque para a cerâmica, mas onde era possível comprar quase de tudo bem ao jeito dos típicos mercados africanos, onde sobressaiam os famosos panos ricos em motivos e cores ou as originais pulseiras de missanga feitas por encomenda ou na hora muito na moda na altura entre os militares, onde eram inscritas frases ou nomes vários. Também os chicotes e os cintos em pele de cobra eram muito apreciados, bem como as belíssimas esculturas feitas manualmente em madeira de pau-preto onde destaco as cabeças de casais indígenas e ainda os tapetes de parede e os serviços de chá chineses muito apreciados na altura e comercializados na famosa Casa Gouveia (estabelecimento comercial de renome associado à CUF).

Ia também até à esplanada do café do Bento, conhecido por (5º repartição) ponto de encontro obrigatório de todos os militares e em particular dos camaradas destacados no mato “os apanhados” em trânsito em Bissau.








 
Aqui os garotos vendiam sacos de camarão, ou ofereciam-se para uma limpeza dos sapatos utilizando improvisadas caixas a troco de alguns pesos, enquanto se tomava uma bebida e se esperava pela chegada dos jornais desportivos” A Bola” e” Record “ vindos no último no voo da TAP.
O almoço sempre que possível era no restaurante Pelicano, frequentado pela maioria dos oficiais e considerado na época o melhor café, restaurante e esplanada da Guiné, com um óptimo serviço e uma recheada ementa de saborosos pratos de carne, peixe e marisco, onde de uma ampla esplanada se vislumbrava uma magnifica vista para o estuário do rio Geba e para o porto de Pidjiguiti (principal porto comercial da Guiné).
Quando o tempo disponível não o permitia, almoçava num dos diversos restaurantes ou cervejarias que pela cidade abundavam, a Solmar, o Solar 10 e a Ronda, são alguns exemplos onde um bife no prato com ovo a cavalo e batatas fritas satisfazia perfeitamente, tornando-se uma refeição bem mais económica.
Em alternativa, se estivesse no outro lado da cidade também aproveitava para almoçar na Base Aérea, onde se encontrava em comissão o meu amigo Mário.
Depois muitas vezes tinha que acorrer às solicitações de camaradas destacados noutras companhias ou das enfermeiras pára-quedistas que tendo conhecimento da presença e da história do Augusto, me identificavam através do crachá da CCAÇ16 colocado na camisa, fazendo-me portador das mais variadas lembranças.
A meio da tarde e antes do regresso ao local onde se voltava a formar a coluna, faço mais uma paragem por algumas cervejarias existentes na Av. do Império, onde a uma imperial estava sempre associado um prato de camarão ou de um cesto de ostras.
  
Nesta altura já eram produzidas na Guiné três marcas de cerveja, a Sagres a Cristal e a Cicer, embora nos quartéis a que mais se consumia era a Sagres de exportação.
Nestas visitas à cidade, era igualmente necessário ter muita atenção ao rigor que a PM exercia no controle sobre os militares chegados do mato, que tinham alguma tendência para andarem com os seus uniformes um pouco à balda.
A CCAÇ16 era uma unidade que funcionava como ponto de partida e base de apoio a operações de alguma envergadura que com frequência incluíam um número razoável de tropas operacionais compostas por comandos, fuzileiros, pára-quedistas e grupos especiais de assalto. Este tipo de operações tinham o seu inicio em terra, mas eram normalmente apoiados por bombardeamentos executados pela Força Aérea Portuguesa, cujo domínio do ar na altura representava um precioso bem e uma extraordinária vantagem.
Aviões e helicópteros causavam o pânico entre os guerrilheiros, abrindo caminho às tropas terrestres transportando material ou evacuando mortos e feridos com o apoio de uma tripulação de enfermeiras pára-quedistas.
De referir o papel importantíssimo que o corpo de enfermeiras pára-quedistas exerceu durante a sua acção no apoio aos militares na Guiné, treinadas para agir na evacuação de feridos, assisti nalguns casos e fui conhecedor de outros onde ficou bem patente o seu extraordinário contributo prestado nas missões a que durante vários anos foram chamadas a desempenhar.
Assisti a atitudes demonstrativas de extrema coragem, lembro-me de uma situação em que o IN atacou um helicóptero atingindo o depósito de combustível com os estilhaços do morteiro 82mm, e perante a passividade quer do atirador do héli – canhão,  

quer do piloto, uma enfermeira, numa atitude de extrema coragem, pegou numa metralhadora varrendo a zona com várias rajadas conseguindo deste modo e com este acto, que o IN se tenha retraído nas suas intenções e posto em fuga, evitando desta forma danos de maior junto das NT, permitindo assim uma rápida reacção dos restantes militares e a manutenção ao aparelho.
A formação dos helicópteros AlouettIII da F A P, eram pilotados por alferes e furriéis que por norma voavam aos pares, um dos aparelhos o héli-canhão, apenas transportava o atirador e o piloto que faziam autenticas maravilhas com aquelas máquinas voadoras desenhando coreografias impressionantes no ar ou fazendo gincana entre as copas das árvores.
Antes de pousarem no Bachile, sobrevoavam a zona e aproveitavam para fazer uma busca pela mata, com a intenção de procurar alguma peça de caça, que quando bem sucedidos garantiam numa alteração imediata à ementa prevista para o almoço desse dia, na companhia, substituindo-a à ultima hora por gazela, cabra do mato ou javali.
O pessoal da F A P, coleccionava cabeças de gazela e de outros animais que mandavam embalsamar, aproveitando a pele para depois de curtida pelos africanos por processos tradicionais, mandarem fazer tapetes que traziam como recordação para a metrópole.
Também porque já conhecedores da presença do Augusto, cada vez que visitavam Bachile, não se esqueciam, em particular as enfermeiras, em presentear o garoto com as mais diversas lembranças, desde roupa a guloseimas e brinquedos fazendo a felicidade daquele menino.
O convívio com este pessoal da F. A. foi sempre também muito salutar, pois eram extremamente solidários e compreensivos para connosco e perante as nossas dificuldades.


















1 comentário:

  1. Joaquim Luís Fernandes29 de dezembro de 2014 às 19:01

    Os meus parabéns ao camarada António Branco pela publicação. Possivelmente nos cruzamos no Bachil em 1973, onde fui algumas vezes. Eu pertencia à CCaç 3461 do BCaç 3863. Tenho na memória alguns episódios que me relacionam com a CCAÇ16 e com o seu Comandante, Capitão Abílio Afonso.

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