Depois
de suportar-mos cerca de vinte minutos de fogo intenso cuja origem se percebia
ser de um local muito próximo da segunda camada de arame farpado, conseguimos
solucionar o problema fazendo com que o IN retirasse de uma forma algo
precipitada porque estando a decorrer a época das chuvas que tem lugar entre de
Maio e Outubro e o facto de o terreno estar bastante macio, provocou que os
pratos dos morteiros IN, fossem entrando na lama e consequentemente deixando os
tubos em posição mais vertical, fazendo com que as suas granadas, começassem a
cair e a rebentar junto da sua primeira linha, auto flagelando-se, causando
algumas baixas e obrigando a uma precipitada retirada.
Este
teria sido sem dúvida, não fosse o pormenor referido, mais uma acção do IN
capaz de ter causado imensos estragos com consequências imprevisíveis, até
porque posteriormente soubemos que a intenção final era o assalto à mão, até
porque mais uma vez a reacção de alguns militares africanos coniventes, não foi
a mais adequada.
Também
sofremos algumas vítimas que foram na medida das possíveis socorridas de
imediato, prestando a minha colaboração aos enfermeiros no apoio necessário,
preparando lençóis e cobertores que fui buscar à arrecadação para cobrir
algumas vítimas entre as N.T.
A
nossa resposta a este tipo de ataques era dada pelas armas dispostas no quartel
em posições consideradas estratégicas e distribuídas pelo pessoal operacional e
dos serviços.
A
arma que me estava distribuída, um morteiro 81mm tinha um alcance de 4050
metros, arma poderosa, eficaz e mortífera quando bem utilizada.
Estava
montada num espaldão construído à esquerda da minha caserna, entre esta e o
depósito de água, num espaço em círculo com uma pequena abertura para a
entrada, onde ao longo do seu perímetro interior se armazenavam as caixas com
granadas e as respectivas cargas explosivas, protegidas por bidões cheios de
terra que após sofrerem os efeitos das chuvas se tornavam extremamente
resistentes ao fogo do IN.
O
morteiro estava apontado para uma determinada trajectória previamente calculada
e baseado numa escala calculada com o auxílio de um aparelho de medida,
permitindo várias técnicas de tiro com granadas tipo GEO com cargas 1 ou 2,
consoante a situação o permitisse.
O
tiro directo, tinha a vantagem de facilitar uma rápida preparação e regulação
embora com menor segurança, era o mais utilizado naquele cenário.
Logo
que fosse perceptível algum abrandamento das hostilidades batíamos a zona na
tentativa de atingir o IN em retirada normalmente efectuada em direcções
dispersas.
Depois
de cuidar das vítimas, procedia-mos ao reconhecimento dos estragos provocados,
percorrendo minuciosamente toda a área interna e externa do aquartelamento,
analisando os seus efeitos e consequências tirando conclusões e preparando a
reposição nos respectivos postos das munições consumidas, tentando regressar à
normalidade o mais rápido possível., apesar de naturalmente após o sucedido a
estabilidade emocional estar fortemente afectada, resultante dos efeitos
causados quer em termos físicos, morais e materiais, e só decorridas algumas
horas, era possível
uma reflexão mais profunda sobre o sucedido.
Este
tipo de ataque, assim como todos os outros caracterizavam-se por uma enorme
dificuldade em serem retaliados não só pelo potencial demonstrado pelas forças
opostas, mas também devido ao facto de alguns dos militares africanos da
companhia, terem a combater no outro lado familiares próximos, pais, irmãos e
tios, cuja consequência era a de que ao sofremos um ataque vindo de determinada
direcção, a resposta era efectuada em sentido contrário.
Outra
particularidade destes elementos, era que na maioria das vezes em que fomos
alvo de uma qualquer acção do IN, alguns dos militares africanos evitavam
permanecer em locais onde habitualmente se juntavam, como a sala do soldado ou
o centro da parada, resguardando-se em zonas mais próximas das suas casernas,
valas e abrigos evidenciando com esta atitude, possuírem informação antecipada
sobre o que eventualmente nos ia acontecer.
Face
a esta atitude de manifesta conivência e alguma passividade por parte de alguns
elementos, quando os ataques tinham maior impacto e maior a dificuldade em
serem anulados, era necessário accionar o pedido de ajuda que nos era prestado
por uma das companhias de um batalhão especial agregado ao CAOP 1, sediada em
Teixeira Pinto, a pouco mais de dezasseis quilómetros de distância.,
constituída por forças dos comandos, pára-quedistas e fuzileiros que na maioria
das vezes chegavam demasiado tarde ou até já quando não eram necessários.
Alguma
confusão se gerava quando a chegada das viaturas que os transportavam coincidia
com algum rebentamento ou saída de uma granada de obus a bater a zona.
Chegou-se a criar situações de extrema
confusão e algum pânico entre os elementos que eram suposto virem em nosso
apoio, confundindo o som das saídas das nossas armas com as das tropas IN.
No
dia seguinte e prosseguindo a sua política de desmoralização das nossas tropas,
a emissão de rádio ao serviço do IN, pela voz da Maria Turra, declarava ter
atacado o Bachile, ter destruído casernas e outros edifícios, anunciando também
terem flagelado ou destruído viaturas em numero superior às existentes na nossa
frota e terem feito um numero exagerado de vítimas mortais entre os brancos e
causado grande número de feridos.
Era
também prática habitual, indicarem o nome de alguns dos nossos camaradas e seus
familiares em tons altamente depreciativos, com a pura intenção de desmoralizar
o pessoal.
Recordo
a situação em que após este ataque, terem descrito correctamente qual a minha
arma e a sua localização, referindo ainda que o cabo Branco, já não iria passar
o próximo Natal à metrópole.
Durante
alguns dias são bem evidentes as marcas e os efeitos dos acontecimentos,
seguindo-se depois um balanço pormenorizado dos mesmos.
Era da minha competência a análise ao tipo de
munições consumidas e a respectiva quantidade, elaborando um completo e
pormenorizado relatório a ser enviado ao quartel-general para posterior
apreciação.
Num
dos ataques, considerado de duração média, após o envio do respectivo relatório
para o centro de operações do quartel-general em Bissau, fomos alvo de uma
informação extremamente crítica, considerando exagerada a quantidade de munições
gastas para um ataque com a duração de cerca de trinta minutos.
Este
é apenas mais um exemplo das várias contradições e situações algo caricatas em
que esta guerra foi fértil.
Outros
foram os momentos igualmente no mínimo curiosos, numa guerra recheada de
situações pouco esclarecidas. Numa das visitas efectuadas ao nosso quartel pelo
general Spínola e sua comitiva, bem cedo os operacionais da Força Aérea,
patrulharam minuciosamente a zona próxima como habitualmente nestas situações
sem que nada de anormal fosse verificado.
Depois
de ter passado o dia no quartel de uma forma bastante descontraída e sem
grandes preocupações de segurança, preparou-se ao fim do dia o seu regresso a
Bissau organizando uma pequena escolta em redor do helicóptero.
De
novo antes da partida o mesmo procedimento junto da área envolvente ao Bachile
sem que nada de registo fosse assinalado.
Terminada
a visita um pouco antes das vinte horas, porque aos helicópteros não era
permitido voar sem luz natural, passados pouco mais de quinze minutos após a
retirada da comitiva, sofremos mais um forte ataque com origem de uma posição
pouco habitual e nada esperada.
Aliás
os ataques tinham quase sempre proveniência de locais e posições diferenciadas,
quando previamente tínhamos as nossas armas de prevenção direccionadas para um
determinado ponto, em nosso entender o mais adequado face às informações
obtidas e aos estudos feitos pelo comandante de companhia e o seu grupo
operacional responsável, era-mos surpreendidos com acções surgidas quase sempre
de um lado oposto, permitindo desde logo ao IN, ganhar algum tempo.
As
forças do PAIGC adoptavam nas suas operações uma disposição de homens no
terreno já bem conhecida das NT, que consistia numa primeira linha a colocação
de armas ligeiras Kalash (espingarda automática A K 47, calibre 7,62mm)
seguidas dos RPG e só
depois em posições mais recuadas os morteiros 61mm e os de 82mm.
Outras foram as situações mais ou menos
complicadas que ocorreram durante a minha comissão de serviço, os ataques ao
quartel, tinham como objectivo pela forma como eram planeados o assalto,
situação que já acontecia noutras zonas da Guiné mas que no nosso caso nunca
chegou a concretizar-se por vários motivos mas, essencialmente por nos momentos
chave termos sido bafejados pela sorte.
Uma noite, no final de um turno de sentinelas,
após a rendição de um camarada, um soldado regressava à sua caserna de uma
forma bastante descontraída e de arma ao ombro, de súbito ouve um estranho
ruído vindo do mato rasteiro existente na parte exterior dos arames, parou e
pensando tratar-se de algum animal cuja presença era ferquente, resolveu
disparar alguns tiros de G3 (espingarda automática NT) com a intenção de
o afugentar.
Imediatamente esta atitude fez despoletar o
inicio de mais um ataque, que só aconteceu naquele preciso momento porque os
grupos de guerrilheiros emboscados no capim (nome comum da planta típica da
savana) existente nas imediações, pensaram terem sido antecipadamente
detectados.
A sequência deste tipo de acções do IN,
provocavam junto das NT, não só baixas como um grande desgaste físico e
psicológico.
Nestes momentos extremamente difíceis, foi
preciso usar de muita coragem e sangue frio quando para além de cuidar dos
feridos ou dos afectados de outra ordem, era igualmente importante e necessário
preparar com dignidade os corpos dos mortos para que fosse efectuado o funeral.
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