sexta-feira, 4 de maio de 2012

GUINÉ BACHILE-1972-1974 II




 Algum tempo decorrido após levantar-mos da Ilha do Sal, já nos era possível pelas janelas do avião visualizar os contornos do território da Guiné.

 A aproximação é rápida e a minha primeira impressão é a de uma paisagem bastante interessante e de grande beleza onde sobressaem os rios e os lagos serpenteando a floresta.

Bissau era já ali, aterramos em Bissalanca a cerca de 10 quilómetros da capital, nove horas após a saída de Lisboa, na BA12 (Base Aérea N.º 12).

Chego a Bissalanca por volta das dez horas da manhã, ao abrirem-se as portas do avião, fico com a sensação de se terem aberto as portas de um forno, sofro o primeiro grande impacto causado pela elevada temperatura que já se fazia sentir aquela hora juntamente com a alta percentagem de humidade.

 O ar extremamente abafado e o céu muito nublado marcavam a diferença entre os onze graus registados à partida de Lisboa e os mais de quarenta depois de chegado à Guiné, o que se tornou inicialmente bastante difíceis de suportar.
Transportado de imediato em coluna militar para o quartel de depósito de adidos em Brá, localizado nas proximidades da cidade, fiz a apresentação na secretaria de forma a registar a minha chegada e saber o que me esperava de seguida, apesar de, desde que fui mobilizado, ter já conhecimento que o meu destino era o Bachile, (local situado a meio caminho entre Teixeira Pinto e Cacheu e onde estava instalada a C CAÇ 16).




 Mal dispus de tempo para confraternizar com alguns camaradas que se juntavam na parada do quartel de adidos, na esperança de poderem encontrar entre os recém chegados alguém conhecido ou vindo de perto da sua terra Natal, para obterem informações e notícias do Puto (designação que se dava a Portugal quando nos referíamos á metrópole).

 Pouco tempo decorreu após a apresentação na secretaria dos adidos até ouvir anunciar através da aparelhagem sonora do aquartelamento, o meu nome e número mecanográfico no sentido de levantar uma guia de marcha, para de seguida me inserir numa coluna a formar poucas horas depois com destino a Teixeira Pinto (Cachungo, Chão Manjaco) e daí para o Bachile.

 O percurso entre Bissau e Teixeira Pinto é moroso e prolonga-se por várias horas porque, para além da distância a percorrer, havia ainda a particularidade de a coluna ser formada por diversas viaturas militares e civis intercaladas entre si que por motivos de segurança era feito em velocidade reduzida.

 Em João Landim, 30km a Norte de Bissau, era necessário fazer uma longa pausa para cambar (atravessar um rio) o rio Mansoa.

Este rio, com uma grande distância entre margens, foi durante muito tempo um enorme obstáculo para se chegar de Bissau ao Norte do território, o seu leito tinha muito lodo e só através da jangada era possível transpor essa barreira natural.

 Atravessava-se o rio Mansoa sob protecção de um grupo de fuzileiros que fazia segurança à zona, na já célebre jangada (ferry-boat), aproveitando-se o tempo das longas esperas enquanto se faziam os vários percursos de ida e volta, confraternizando com os elementos das diversas companhias e grupos presentes, aproveitando para saborear uma  fresca


saborosa cerveja, acompanhada de caju bem picante ou mancarra (amendoim) vendido num mercado ali improvisado pelos mininos (rapazes) e bajudas (meninas ou raparigas virgens) nos seus recipientes coloridos de esmalte ou plástico, a troco de alguns pesos (unidade de moeda local).

 Na coluna, a segurança era garantida por pelotões operacionais e pelas Chaimites (viatura militar blindada de todo o terreno), que já substituíam as velhinhas auto metralhadoras Daimler que se inseriam a meio e à retaguarda, porque durante o percurso até Teixeira Pinto, surgiam por vezes algumas surpresas em locais cujas passagens eram pouco acolhedores e de más recordações para as NT.

 Depois entre os carros militares misturavam-se os mais diversos meios de transporte civis, autocarros, motorizadas, automóveis e camiões particulares que para além das populações e de animais, carregavam todo o género de artigos.

 Não faltava igualmente uma viatura militar Berliet, de apoio ao pessoal, especificamente destinada a transportar algumas caixas térmicas com muito gelo e atestadas de bazucas (cerveja de 0,6l), de Coca-cola, genuína ou de refrigerante Fanta que, bem geladas resultavam numa óptima ajuda para suportar melhor aquele intenso calor acompanhado de uma elevada percentagem de humidade próprio de um clima equatorial.

 A camisa e as calças ensopadas pelo suor já se colavam ao corpo causando um enorme desconforto particularmente para 
quem ainda não estava habituado aquelas condições climatéricas.

  Neste percurso até Teixeira Pinto, acusei de alguma forma os efeitos agressivos de tão brusco aumento da temperatura, por isso constantemente andava de viatura em viatura procurando algo para me refrescar e ao mesmo tempo conviver com outros camaradas que ia conhecendo, trocando impressões sobre a Guiné, a guerra e os diversos locais de destino de cada um ou ainda conversando sobre as últimas novidades da metrópole.
Os periquitos (designação atribuída aos militares recém chegados à Guiné) são facilmente detectáveis no meio de grupos cuja cor da pele e o estado usado e gasto dos camuflados indicam já terem algum tempo de permanência naquelas paragens.
No entanto a sua integração é feita de uma forma muito simples, natural e espontânea, resultante de um espirito de camaradagem muito elevado conseguido entre todos e sem distinção da patente.
Com frequência, o já lento andamento da coluna é interrompido, logo que é detectado o mínimo movimento ou ruído suspeito vindo da densa mata que envolve as proximidades da estrada.
Estas situações, são motivo para uma rápida intervenção do grupo operacional responsável pela segurança, saltando das viaturas, batendo a zona, evoluindo mato dentro com o auxílio das preciosas Chaimites, que velozmente saíam da estrada já alcatroada em direcção aos terrenos quase intransitáveis deixando o restante pessoal, civis e militares desarmados, em grande stress e sobressalto, protegidos apenas por pequenos grupos.
Entretanto, chegamos ao destino final já noite dentro e nesse dia apesar de algumas perturbações que apenas motivaram algum alarme e momentos de maior tensão o percurso foi concluído sem registo de problemas de maior.
                                  



 A chegada a Teixeira Pinto, onde estava colocado o CAOP 1 (comando de agrupamento operacional) já aconteceu noite dentro, depois da apresentação ao oficial de dia à unidade e devido ao adiantado da hora, já não me foi possível seguir nessa noite para o Bachile, por isso resolvi vaguear um pouco por ali tentando ambientar-me aquela nova realidade.
Até que a dado momento, alguém me informa que na caserna do pessoal de transmissões estavam dois camaradas operadores de crepito, naturais de Lisboa, e residentes nos Olivais.
Fui ao seu encontro de imediato e apesar de não nos conhecer-mos, esta feliz coincidência serviu para o inicio de um agradável momento de franca confraternização, onde estivemos em amena cavaqueira, permutando novidades, sempre bem acompanhados de umas bazucas frescas e uns pregos no pão, consumidos num bar existente à entrada da vila, propriedade de um comerciante cabo-verdiano e habitual ponto de encontro entre militares na vila de Teixeira Pinto.
 O regresso ao quartel dá-se já de madrugada, prolongando-se a conversa por mais algum tempo, até conseguir improvisar um local na caserna para descansar umas horas depois de um dia vivido de uma forma tão intensa e porque na manhã seguinte, era necessário estar preparado para viajar até ao Bachile.
 Teixeira Pinto, era uma vila com cerca de 9000 habitantes na sua grande maioria de etnia manjaca e dispersos num raio de 7 km, numa extensa área de habitações típicas, separadas por uma avenida central em terra batida, com duas largas faixas de rodagem e de onde sobressaiam alguns edifícios administrativos de construção colonial, a unidade militar, o posto do chefe da tabanca, (aldeia) e uma torre de vigia situada estrategicamente à entrada da vila.



          Na manhã seguinte, bem cedo, andava eu a contemplar aquela nova paisagem e desfrutar do ambiente tão característico com que aquela terra africana me recebia, proporcionando-me, o cheiro inconfundível, indefinível, inesquecível e hoje o cheiro de saudade, quando sou informado que o comandante da CCAÇ 16 (Companhia de Caçadores 16), capitão Martins, me procurava algures na vila no sentido de me transportar até ao Bachile.   

Quando nos encontrámos a apresentação não foi o que se podia considerar ter sido de muito amistosa, o motivo para tal reacção foi que para além do atraso verificado, o capitão Martins pensava estar perante o elemento que já mobilizado a algum tempo para aquele lugar, ainda não o tinha feito por ter desertado.
Tentei de imediato esclarecer a situação mas, rapidamente o jipe entra na estrada que liga Teixeira Pinto ao Cacheu (cidade costeira, junto ao rio com o mesmo nome, situada a nordeste do território) passando pela Ponte Alferes Nunes, (designação atribuída ao local onde estava instalado um destacamento das NT) percorrendo sensivelmente 16 km de estrada já asfaltada, por entre uma paisagem de denso capim, arvoredo vário e de palmeiras, cajueiros e coqueiros onde a espaços se encontravam
 algumas tabancas habitadas por uma população muito modesta e carente que vivia muito dependente do apoio prestado pelos militares





Chegados ao Bachile foi então possível esclarecer definitivamente o equívoco, agora já com a preciosa intervenção do sargento Guerreiro, militar do quadro que contribuiu para normalizar a situação, dando-se então início à minha nova missão que hoje concluo veio a transformar-se numa enorme experiência de vida.
Uma extensa mata, circunda um palmo de terra rodeado de arame farpado de onde sobressaem alguns edifícios pintados de branco que formam o complexo do quartel situado numa área de terreno de baixa elevação, assentes numa estrutura base de construção simples e de paredes finas feitas a tijolo e cimento, de aspecto recente e bem cuidado com telhados cobertos por chapas de zinco.
 No exterior e a poucos metros de distância, existia uma tabanca que incluía um conjunto de casas típicas construídas com cibes (ramo de palmeira), blocos sobrepostos e telhados cobertos com capim ou chapas de zinco, recentemente concluídas com o propósito de proteger e alojar a população manjaca, mas que ainda continuavam por habitar.
Feita a primeira apresentação, junto do 2º sargento Guerreiro, responsável pela logística, foi-me fornecido todo o material de apoio militar bem como o necessário para a montagem da cama e a respectiva roupa.
Após uma breve troca de impressões de âmbito pessoal e sobre as características da zona e da actividade geral do quartel, foi-me sugerido por este, a hipótese de ficar como responsável da arrecadação de armamento e fardamento, porque apesar de ter recebido especialização em reabastecimento de material, a minha mobilização, tinha como objectivo, substituir um mecânico de armas falecido em combate ao serviço da companhia.





1 comentário:

  1. Obrigado por me fazeres recordar com tanta frieza, mastanta realidade, aqueles 27 meses que aí passei.
    Foi o muito bom e o muito mau. Mas passei...digo...passamos.
    Um abraço amigo.
    Fernando Alves ( Ex fur. mil.)

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