Algum tempo decorrido após levantar-mos da
Ilha do Sal, já nos era possível pelas janelas do avião visualizar os contornos
do território da Guiné.
A aproximação é rápida e a minha primeira
impressão é a de uma paisagem bastante interessante e de grande beleza onde
sobressaem os rios e os lagos serpenteando a floresta.
Bissau era já ali,
aterramos em Bissalanca a cerca de 10 quilómetros da capital, nove horas após a
saída de Lisboa, na BA12 (Base Aérea N.º 12).
Chego a Bissalanca por
volta das dez horas da manhã, ao abrirem-se as portas do avião, fico com a
sensação de se terem aberto as portas de um forno, sofro o primeiro grande
impacto causado pela elevada temperatura que já se fazia sentir aquela hora
juntamente com a alta percentagem de humidade.
O ar extremamente abafado e o céu muito
nublado marcavam a diferença entre os onze graus registados à partida de Lisboa
e os mais de quarenta depois de chegado à Guiné, o que se tornou inicialmente
bastante difíceis de suportar.
Transportado
de imediato em coluna militar para o quartel de depósito de adidos em Brá,
localizado nas proximidades da cidade, fiz a apresentação na secretaria de
forma a registar a minha chegada e saber o que me esperava de seguida, apesar
de, desde que fui mobilizado, ter já conhecimento que o meu destino era o
Bachile, (local situado a meio caminho entre Teixeira Pinto e Cacheu e onde
estava instalada a C CAÇ 16).
Mal dispus de tempo para confraternizar com
alguns camaradas que se juntavam na parada do quartel de adidos, na esperança
de poderem encontrar entre os recém chegados alguém conhecido ou vindo de perto
da sua terra Natal, para obterem informações e notícias do Puto (designação
que se dava a Portugal quando nos referíamos á metrópole).
Pouco tempo decorreu após a apresentação na
secretaria dos adidos até ouvir anunciar através da aparelhagem sonora do
aquartelamento, o meu nome e número mecanográfico no sentido de levantar uma
guia de marcha, para de seguida me inserir numa coluna a formar poucas horas
depois com destino a Teixeira Pinto (Cachungo, Chão Manjaco) e daí para
o Bachile.
O percurso entre Bissau e Teixeira Pinto é
moroso e prolonga-se por várias horas porque, para além da distância a
percorrer, havia ainda a particularidade de a coluna ser formada por diversas
viaturas militares e civis intercaladas entre si que por motivos de segurança
era feito em velocidade reduzida.
Em João Landim, 30km a Norte de Bissau, era
necessário fazer uma longa pausa para cambar (atravessar um rio) o rio
Mansoa.
Este
rio, com uma grande distância entre margens, foi durante muito tempo um enorme
obstáculo para se chegar de Bissau ao Norte do território, o seu leito tinha
muito lodo e só através da jangada era possível transpor essa barreira natural.
Atravessava-se o rio Mansoa sob protecção de
um grupo de fuzileiros que fazia segurança à zona, na já célebre jangada (ferry-boat),
aproveitando-se o tempo das longas esperas enquanto se faziam os vários
percursos de ida e volta, confraternizando com os elementos das diversas
companhias e grupos presentes, aproveitando para saborear uma fresca
saborosa cerveja,
acompanhada de caju bem picante ou mancarra (amendoim) vendido num
mercado ali improvisado pelos mininos (rapazes) e bajudas (meninas ou
raparigas virgens) nos seus recipientes coloridos de esmalte ou plástico, a
troco de alguns pesos (unidade de moeda local).
Na coluna, a segurança era garantida por
pelotões operacionais e pelas Chaimites (viatura militar blindada de todo o
terreno), que já substituíam as velhinhas auto metralhadoras Daimler que se
inseriam a meio e à retaguarda, porque durante o percurso até Teixeira Pinto,
surgiam por vezes algumas surpresas em locais cujas passagens eram pouco
acolhedores e de más recordações para as NT.
Depois entre os carros militares misturavam-se
os mais diversos meios de transporte civis, autocarros, motorizadas, automóveis
e camiões particulares que para além das populações e de animais, carregavam
todo o género de artigos.
Não faltava igualmente uma viatura militar
Berliet, de apoio ao pessoal, especificamente destinada a transportar algumas
caixas térmicas com muito gelo e atestadas de bazucas (cerveja de 0,6l),
de Coca-cola, genuína ou de refrigerante Fanta que, bem geladas
resultavam numa óptima ajuda para suportar melhor aquele intenso calor
acompanhado de uma elevada percentagem de humidade próprio de um clima
equatorial.
A camisa e as calças ensopadas pelo suor já se
colavam ao corpo causando um enorme desconforto particularmente para
quem ainda não estava
habituado aquelas condições climatéricas.
Neste percurso até Teixeira Pinto, acusei de
alguma forma os efeitos agressivos de tão brusco aumento da temperatura, por
isso constantemente andava de viatura em viatura procurando algo para me
refrescar e ao mesmo tempo conviver com outros camaradas que ia conhecendo,
trocando impressões sobre a Guiné, a guerra e os diversos locais de destino de
cada um ou ainda conversando sobre as últimas novidades da metrópole.
Os
periquitos (designação atribuída aos militares recém chegados à Guiné)
são facilmente detectáveis no meio de grupos cuja cor da pele e o estado usado
e gasto dos camuflados indicam já terem algum tempo de permanência naquelas
paragens.
No
entanto a sua integração é feita de uma forma muito simples, natural e
espontânea, resultante de um espirito de camaradagem muito elevado conseguido
entre todos e sem distinção da patente.
Com frequência, o já
lento andamento da coluna é interrompido, logo que é detectado o mínimo
movimento ou ruído suspeito vindo da densa mata que envolve as proximidades da
estrada.
Estas
situações, são motivo para uma rápida intervenção do grupo operacional
responsável pela segurança, saltando das viaturas, batendo a zona, evoluindo
mato dentro com o auxílio das preciosas Chaimites, que velozmente saíam da
estrada já alcatroada em direcção aos terrenos quase intransitáveis deixando o
restante pessoal, civis e militares desarmados, em grande stress e sobressalto,
protegidos apenas por pequenos grupos.
Entretanto,
chegamos ao destino final já noite dentro e nesse dia apesar de algumas
perturbações que apenas motivaram algum alarme e momentos de maior tensão o
percurso foi concluído sem registo de problemas de maior.
A chegada a Teixeira Pinto, onde estava
colocado o CAOP 1 (comando de agrupamento operacional) já
aconteceu noite dentro, depois da apresentação ao oficial de dia à unidade e
devido ao adiantado da hora, já não me foi possível seguir nessa noite para o
Bachile, por isso resolvi vaguear um pouco por ali tentando ambientar-me aquela
nova realidade.
Até
que a dado momento, alguém me informa que na caserna do pessoal de transmissões
estavam dois camaradas operadores de crepito, naturais de Lisboa, e residentes
nos Olivais.
Fui
ao seu encontro de imediato e apesar de não nos conhecer-mos, esta feliz
coincidência serviu para o inicio de um agradável momento de franca
confraternização, onde estivemos em amena cavaqueira, permutando novidades,
sempre bem acompanhados de umas bazucas frescas e uns pregos no pão, consumidos
num bar existente à entrada da vila, propriedade de um comerciante
cabo-verdiano e habitual ponto de encontro entre militares na vila de Teixeira
Pinto.
O regresso ao quartel dá-se já de madrugada,
prolongando-se a conversa por mais algum tempo, até conseguir improvisar um
local na caserna para descansar umas horas depois de um dia vivido de uma forma
tão intensa e porque na manhã seguinte, era necessário estar preparado para
viajar até ao Bachile.
Teixeira Pinto, era uma vila com cerca de 9000
habitantes na sua grande maioria de etnia manjaca e dispersos num raio de 7 km,
numa extensa área de habitações típicas, separadas por uma avenida central em
terra batida, com duas largas faixas de rodagem e de onde sobressaiam alguns
edifícios administrativos de construção colonial, a unidade militar, o posto do
chefe da tabanca, (aldeia) e uma torre de vigia situada estrategicamente
à entrada da vila.
Na manhã seguinte, bem cedo, andava eu a
contemplar aquela nova paisagem e desfrutar do ambiente tão característico com
que aquela terra africana me recebia, proporcionando-me, o cheiro
inconfundível, indefinível, inesquecível e hoje o cheiro de saudade, quando sou
informado que o comandante da CCAÇ 16 (Companhia de Caçadores 16),
capitão Martins, me procurava algures na vila no sentido de me transportar até
ao Bachile.
Quando
nos encontrámos a apresentação não foi o que se podia considerar ter sido de
muito amistosa, o motivo para tal reacção foi que para além do atraso
verificado, o capitão Martins pensava estar perante o elemento que já
mobilizado a algum tempo para aquele lugar, ainda não o tinha feito por ter
desertado.
Tentei
de imediato esclarecer a situação mas, rapidamente o jipe entra na estrada que
liga Teixeira Pinto ao Cacheu (cidade costeira, junto ao rio com o mesmo
nome, situada a nordeste do território) passando pela Ponte Alferes
Nunes, (designação atribuída ao local onde estava instalado um
destacamento das NT) percorrendo sensivelmente 16 km de estrada já
asfaltada, por entre uma paisagem de denso capim, arvoredo vário e de
palmeiras, cajueiros e coqueiros onde a espaços se encontravam
algumas tabancas habitadas por uma população
muito modesta e carente que vivia muito dependente do apoio prestado pelos
militares
Chegados
ao Bachile foi então possível esclarecer definitivamente o equívoco, agora já
com a preciosa intervenção do sargento Guerreiro, militar do quadro que
contribuiu para normalizar a situação, dando-se então início à minha nova
missão que hoje concluo veio a transformar-se numa enorme experiência de vida.
Uma
extensa mata, circunda um palmo de terra rodeado de arame farpado de onde
sobressaem alguns edifícios pintados de branco que formam o complexo do quartel
situado numa área de terreno de baixa elevação, assentes numa estrutura base de
construção simples e de paredes finas feitas a tijolo e cimento, de aspecto
recente e bem cuidado com telhados cobertos por chapas de zinco.
No exterior e a poucos metros de distância,
existia uma tabanca que incluía um conjunto de casas típicas construídas com
cibes (ramo de palmeira), blocos sobrepostos e telhados cobertos com
capim ou chapas de zinco, recentemente concluídas com o propósito de proteger e
alojar a população manjaca, mas que ainda continuavam por habitar.
Feita
a primeira apresentação, junto do 2º sargento Guerreiro, responsável pela
logística, foi-me fornecido todo o material de apoio militar bem como o
necessário para a montagem da cama e a respectiva roupa.
Após
uma breve troca de impressões de âmbito pessoal e sobre as características da
zona e da actividade geral do quartel, foi-me sugerido por este, a hipótese de
ficar como responsável da arrecadação de armamento e fardamento, porque apesar
de ter recebido especialização em reabastecimento de material, a minha
mobilização, tinha como objectivo, substituir um mecânico de armas falecido em
combate ao serviço da companhia.
Obrigado por me fazeres recordar com tanta frieza, mastanta realidade, aqueles 27 meses que aí passei.
ResponderEliminarFoi o muito bom e o muito mau. Mas passei...digo...passamos.
Um abraço amigo.
Fernando Alves ( Ex fur. mil.)