Este
registo, foi efectuado com imenso prazer e tem apenas como objectivo, poder
partilhar com os meus familiares e amigos, o que considero ter sido uma
extraordinária experiência de vida.
António Branco
Trinta e quatro anos após o regresso da
campanha de serviço militar, que fui obrigado a cumprir, numa guerra sobre a
qual hoje ainda se discute ter sido colonial, do ultramar ou de libertação, mas
que também ainda hoje o estado português continua a ignorar os que foram
obrigados a separarem-se das famílias, a interromper as suas carreiras
profissionais e académicas e que trouxeram como recompensa, problemas vários de
ordem física e psicológica.
Num momento de reflexão sobre o tema e numa
altura em que se ouvem imensas opiniões algo contraditórias e tendenciosas,
resolvi transcrever, baseado na interpretação da informação recolhida no
terreno com algum detalhe e à luz da minha experiência pessoal na falta de
outros registos, como foram vividos os seiscentos e quarenta e sete dias,
registados na caderneta militar, da minha permanência no Bachile, Chão Manjaco
(território étnico) localizado a Nordeste da que hoje é designada por GUINÉ
BISSAU.
Descoberta pelo navegador e explorador
português Nuno Tristão em 1446, que viria a ser morto pelos indígenas, ao tentar
desembarcar numa das ilhas do Arquipélago de Bijagós.
Localizada na costa ocidental de África com
uma área total de 36120km2, de clima tropical e situada sensivelmente a meia
distância entre o Equador e o trópico de Câncer, tem um clima quente e húmido
com duas estações: a quente e a da época das chuvas.
A época das chuvas começa em Maio e
prolonga-se até Novembro, a estação seca corresponde aos restantes meses do
ano.
Os meses de maior pluviosidade são Julho e
Agosto, sendo os meses Dezembro e Janeiro os mais frescos, apesar de as
temperaturas serem muito elevadas durante todo o ano.
A população é composta por diversas etnias com
línguas, costumes e estruturas sociais diferentes, 45% é muçulmana, Fulas e
Mandingas concentrados a norte e nordeste.
Outros grupos importantes são os Papéis e os
Balantas na costa sul, os Manjacos e Macanhas ocupam o centro e o norte
litoral.
A sua economia depende fortemente da
agricultura e da pesca, onde tem algum significado a exportação de amendoim,
sementes de palma, madeira, peixe e mariscos.
O arroz é o cereal mais produzido e a base da
sua alimentação.
A língua oficial é o português, embora o
número de falantes não ultrapasse os 10%, no entanto mais de metade da
população fala crioulo de origem portuguesa.
Lisboa, 5 de Junho de 1972, aeroporto militar
de Figo Maduro situado na Portela de Sacavém, são quase uma da manhã e na sala
de embarque repleta de militares junto dos seus familiares e amigos, sente se
um ambiente extremamente pesado.
Após algumas palavras de circunstância
proferidas por um oficial superior encarregue da cerimónia da partida,
afirmando que iríamos para a Guiné, onde nos chamava o sagrado dever de todo o
soldado português na defesa da pátria e onde ninguém tinha dúvidas da
dificuldade da nossa missão mas, a nação tinha boas razões para confiar em nós.
Pelo sistema sonoro da sala, são efectuadas
duas chamadas para o embarque, das quais não resultou qualquer gesto indicativo
de tal disposição.
Até que, após o
terceiro e derradeiro aviso gerou-se alguma agitação com as derradeiras
despedidas propositadamente apressadas dos familiares e amigos.
Cumpridas as habituais
formalidades, entro juntamente com um grupo de cerca de sessenta militares num
avião da FAP -
(Força Aérea Portuguesa) modelo DC-6 (avião
transporte militar adquirido pelo governo à T A P, por recusa dos E U A em nos
venderem os C-130), para uma viagem que começou algo atribulada ainda na
pista, indiciando alguns problemas técnicos, resultando numa longa espera na
preparação para o aquecimento dos seus quatro motores a hélice, de forma a
poder dar inicio ao voo, utilizando uma das pistas no sentido Sul Norte do
aeroporto da Portela.
Silêncio absoluto dentro de um avião com um
ambiente pesado, frio e de algum desconforto.
Pela janela, desfruto
de uma magnífica paisagem sobre a cidade de Lisboa que vista do ar à noite,
deslumbra-nos oferecendo um espectacular quadro.
Os seus maravilhosos monumentos bem
iluminados, o rio Tejo com a sua bela e imponente ponte, a avenida marginal a
abraçar o rio, ou ainda o cintilar das diversas luzes que iluminam a cidade,
são imagens de extrema beleza que jamais esquecerei.
Só o ruído algo ensurdecedor dos motores do velho
avião, motivado por uma já deficiente insonorizarão e o bater das chapas
provocado pelas folgas que o material já apresentava, cortavam aquele profundo
silêncio, vivido no interior do aparelho.
A dado momento e após largos minutos sem se
ouvir uma palavra, um camarada que ia sentado ao meu lado verbalizou as
seguintes expressões: (É pá olha que giro,) e (não sei se voltamos
a ver isto).
Respondi-lhe afirmativamente, apenas acenando
com a cabeça.
A viagem para quem nunca tinha utilizado este
meio de transporte estava a ser uma experiência menos agradável pelas imensas
perturbações causadas por constantes poços de ar, ao que diziam muito
frequentes nas rotas de África.
Ao fim de algumas horas de voo somos
informados que irá ser efectuada uma paragem técnica para reabastecimento e
manutenção no aeroporto da Ilha do Sal, em Cabo Verde.
A ilha do Sal é uma
das dez ilhas que compõem o Arquipélago de Cabo Verde, um paraíso tropical onde
a extensa praia de Santa Maria com os seus 8 Km de extensão, é sem dúvida uma
das atracções principais e destino habitual de muitos portugueses.
No entanto nesta altura,
Cabo Verde vivia uma tremenda crise provocada por uma extensa seca de cinco
anos com imensas consequências negativas para o seu povo.
Tenho ainda bem presente na memória, a
imagem de nos terrenos envolventes ao aeroporto, ver entre outros, esqueléticas
vacas e cabras, pastando onde já nada havia para comer.
Apesar de não nos ter
sido permitido sair do avião, foi possível verificar os efeitos da seca e
também sentir já um pouco do ambiente e cheiro tão característico de África.
Foi igualmente
possível constatar o aparato bélico causado pelos aviões FIAT-G91 (avião
monomotor de reacção, subsónico de asa baixa e trem retratel) e os T6 (avião
bombardeiro monomotor equipado com lança roquetes) estacionados numa das
pistas, preparados para reforçar quando necessário o apoio à guerrilha na
Guiné.
Depois de concluídas
as operações de reabastecimento e verificações técnicas, voamos então em
direcção ao destino final.
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