quarta-feira, 2 de maio de 2012

GUINÉ BACHILE--1972-1974---I








Este registo, foi efectuado com imenso prazer e tem apenas como objectivo, poder partilhar com os meus familiares e amigos, o que considero ter sido uma extraordinária experiência de vida.


António Branco



                                                             




 Trinta e quatro anos após o regresso da campanha de serviço militar, que fui obrigado a cumprir, numa guerra sobre a qual hoje ainda se discute ter sido colonial, do ultramar ou de libertação, mas que também ainda hoje o estado português continua a ignorar os que foram obrigados a separarem-se das famílias, a interromper as suas carreiras profissionais e académicas e que trouxeram como recompensa, problemas vários de ordem física e psicológica.
 Num momento de reflexão sobre o tema e numa altura em que se ouvem imensas opiniões algo contraditórias e tendenciosas, resolvi transcrever, baseado na interpretação da informação recolhida no terreno com algum detalhe e à luz da minha experiência pessoal na falta de outros registos, como foram vividos os seiscentos e quarenta e sete dias, registados na caderneta militar, da minha permanência no Bachile, Chão Manjaco (território étnico) localizado a Nordeste da que hoje é designada por GUINÉ BISSAU.        
 Descoberta pelo navegador e explorador português Nuno Tristão em 1446, que viria a ser morto pelos indígenas, ao tentar desembarcar numa das ilhas do Arquipélago de Bijagós.
 Localizada na costa ocidental de África com uma área total de 36120km2, de clima tropical e situada sensivelmente a meia distância entre o Equador e o trópico de Câncer, tem um clima quente e húmido com duas estações: a quente e a da época das chuvas.
 A época das chuvas começa em Maio e prolonga-se até Novembro, a estação seca corresponde aos restantes meses do ano.



 Os meses de maior pluviosidade são Julho e Agosto, sendo os meses Dezembro e Janeiro os mais frescos, apesar de as temperaturas serem muito elevadas durante todo o ano.
 A população é composta por diversas etnias com línguas, costumes e estruturas sociais diferentes, 45% é muçulmana, Fulas e Mandingas concentrados a norte e nordeste.
 Outros grupos importantes são os Papéis e os Balantas na costa sul, os Manjacos e Macanhas ocupam o centro e o norte litoral.
 A sua economia depende fortemente da agricultura e da pesca, onde tem algum significado a exportação de amendoim, sementes de palma, madeira, peixe e mariscos.
 O arroz é o cereal mais produzido e a base da sua alimentação.
 A língua oficial é o português, embora o número de falantes não ultrapasse os 10%, no entanto mais de metade da população fala crioulo de origem portuguesa.




  Lisboa, 5 de Junho de 1972, aeroporto militar de Figo Maduro situado na Portela de Sacavém, são quase uma da manhã e na sala de embarque repleta de militares junto dos seus familiares e amigos, sente se um ambiente extremamente pesado.

 Após algumas palavras de circunstância proferidas por um oficial superior encarregue da cerimónia da partida, afirmando que iríamos para a Guiné, onde nos chamava o sagrado dever de todo o soldado português na defesa da pátria e onde ninguém tinha dúvidas da dificuldade da nossa missão mas, a nação tinha boas razões para confiar em nós.

 Pelo sistema sonoro da sala, são efectuadas duas chamadas para o embarque, das quais não resultou qualquer gesto indicativo de tal disposição.

Até que, após o terceiro e derradeiro aviso gerou-se alguma agitação com as derradeiras despedidas propositadamente apressadas dos familiares e amigos.

Cumpridas as habituais formalidades, entro juntamente com um grupo de cerca de sessenta militares num avião da FAP -

 (Força Aérea Portuguesa) modelo DC-6 (avião transporte militar adquirido pelo governo à T A P, por recusa dos E U A em nos venderem os C-130), para uma viagem que começou algo atribulada ainda na pista, indiciando alguns problemas técnicos, resultando numa longa espera na preparação para o aquecimento dos seus quatro motores a hélice, de forma a poder dar inicio ao voo, utilizando uma das pistas no sentido Sul Norte do aeroporto da Portela.

 Silêncio absoluto dentro de um avião com um ambiente pesado, frio e de algum desconforto.






Pela janela, desfruto de uma magnífica paisagem sobre a cidade de Lisboa que vista do ar à noite, deslumbra-nos oferecendo um espectacular quadro.

 Os seus maravilhosos monumentos bem iluminados, o rio Tejo com a sua bela e imponente ponte, a avenida marginal a abraçar o rio, ou ainda o cintilar das diversas luzes que iluminam a cidade, são imagens de extrema beleza que jamais esquecerei.

 Só o ruído algo ensurdecedor dos motores do velho avião, motivado por uma já deficiente insonorizarão e o bater das chapas provocado pelas folgas que o material já apresentava, cortavam aquele profundo silêncio, vivido no interior do aparelho.

 A dado momento e após largos minutos sem se ouvir uma palavra, um camarada que ia sentado ao meu lado verbalizou as seguintes expressões: (É pá olha que giro,) e (não sei se voltamos a ver isto).

  Respondi-lhe afirmativamente, apenas acenando com a cabeça.



 Lisboa, ficara para trás a tripulação composta por cabos especialistas da FAP, distribuíam-nos informações sobre o voo e normas de segurança, assim como alguns rebuçados para ajudar a descontrair e de prevenção para o enjoo e cobertores para nos agasalharmos durante as longas horas de viagem que tínhamos pela frente.

 A viagem para quem nunca tinha utilizado este meio de transporte estava a ser uma experiência menos agradável pelas imensas perturbações causadas por constantes poços de ar, ao que diziam muito frequentes nas rotas de África.

 Ao fim de algumas horas de voo somos informados que irá ser efectuada uma paragem técnica para reabastecimento e manutenção no aeroporto da Ilha do Sal, em Cabo Verde.


A ilha do Sal é uma das dez ilhas que compõem o Arquipélago de Cabo Verde, um paraíso tropical onde a extensa praia de Santa Maria com os seus 8 Km de extensão, é sem dúvida uma das atracções principais e destino habitual de muitos portugueses.

No entanto nesta altura, Cabo Verde vivia uma tremenda crise provocada por uma extensa seca de cinco anos com imensas consequências negativas para o seu povo.

         Tenho ainda bem presente na memória, a imagem de nos terrenos envolventes ao aeroporto, ver entre outros, esqueléticas vacas e cabras, pastando onde já nada havia para comer.

Apesar de não nos ter sido permitido sair do avião, foi possível verificar os efeitos da seca e também sentir já um pouco do ambiente e cheiro tão característico de África.

Foi igualmente possível constatar o aparato bélico causado pelos aviões FIAT-G91 (avião monomotor de reacção, subsónico de asa baixa e trem retratel) e os T6 (avião bombardeiro monomotor equipado com lança roquetes) estacionados numa das pistas, preparados para reforçar quando necessário o apoio à guerrilha na Guiné.

Depois de concluídas as operações de reabastecimento e verificações técnicas, voamos então em direcção ao destino final.












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