A
cidade recebeu nesta época uma natural invasão de populações oriundas de outros
locais do território onde as consequências da guerra eram mais sentidas.
Noutras
ocasiões desloquei-me a Bissau com a missão de escoltar guerrilheiros detidos
no mato para serem interrogados pela nossa polícia política (PIDE-DGS).
Esta era uma situação pouco cómoda para mim,
porque se revestia de uma enorme responsabilidade, requerendo uma extrema e
constante atenção, pois era impensável deixar fugir um prisioneiro.
Nas
primeiras deslocações à cidade, ao longo do caminho e dada a brancura da pele
os guinéus e a velhice (militares em fim de comissão) entoavam a velha
canção de guerra “Periquito vai no mato olé, olé olé que a velhice vai para
a metrópole olé, olé, olé”.
As
populações nativas normalmente recebiam-nos com gentileza apesar do seu natural
distanciamento.
Bissau era uma cidade
pequena, carenciada, confusa, de imensos contrastes e algo agitada mas, onde
talvez por tudo isto apetecia estar.
Quando
nada havia para tratar em Bissau e sentia a necessidade de descarregar durante
umas horas o stress acumulado no ambiente do nosso pequeno Vietname, (designação
atribuída aos locais mais difíceis no interior) tentava conseguir sempre
com a cumplicidade do meu chefe o sargento Guerreiro, motivo para justificar a
respectiva guia de circulação para assim poder dispor de mais tempo livre para
usufruir da cidade.
Mais
tarde, noutras visitas, foi-me possível apreciar com mais pormenor a cidade que
nos últimos anos, tinha duplicado em muito os seus habitantes.
Um
quarto da população da Guiné concentrava-se em Bissau dando origem à construção
de vários bairros de negros na periferia como os de Santa Luzia, Bandim entre
outros.
O
Cupelon (Pilão) bairro popular atravessado pela estrada para o
aeroporto, situado na periferia era um misto de irresistível atracção e de
perigo potencial, de gente séria e trabalhadora, mas também habitado por muitas
e belas raparigas guineenses e cabo-verdianas que fugiam à guerra e tiravam
partido da presença de muitos militares em trânsito ou aquartelados em Bissau e
arredores.
Dizia-se
ser um bairro muito perigoso havendo frequentes recomendações para que ao Pilão
nunca ir só porque,” os gajos eram todos turras”, mas o convívio
com aquela gente fascinava, fosse pelo exótico dos usos ou pela atracção das
raparigas a quem chamava-mos bajudas, independentemente de o serem.
Ignorando
um potencial perigo porque era evidente o apoio que a guerrilha tinha em vários
quadrantes e porque o conflito era sentido um pouco por todo o lado, andei por
lá algumas vezes sozinho e de uma forma muito natural, mesmo apesar do que
muito se ouvia, nunca me sucedeu ter passado por qualquer situação mais
problemática.
Bissau,
tinha uma vivência muito agitada, com bastante comércio, muita alegria e grande
movimento causado pela permanência de muitos militares fixados ou de passagem
porque era ali que se localizava o hospital militar, que recebia os militares
vindos de todo o território para as consultas externas e onde também se
registava uma grande concentração dos comandos das NT onde residiam muitos dos
oficiais e suas esposas em bairros de moradias também criados para o efeito.
Estacionavam
pontualmente na cidade grupos de comandos, fuzileiros e pára-quedistas que, ao
menor pretexto se envolviam provocando autênticas batalhas em que as cadeiras e
mesas de ferro das esplanadas, voavam arremessadas avenida abaixo e só a
intervenção da P.M. (Policia Militar) e da P.A. (Policia Aérea)
conseguiam pôr cobro.
Ainda
em Bissau estavam localizados alguns dos poucos estabelecimentos de ensino com
grande relevância para o liceu Honório Barreto
A
cidade dispunha também de outros edifícios de interesse público é exemplo os
Correios, o Hospital Central, os serviços da TAP, o Banco Nacional da Guiné, o
Palácio do Governador a Catedral e outros relacionados com o comércio típico e
tradicional destacando-se entre outras as principais lojas como os armazéns
Pintosinho, a casa Gouveia e a Taufik Saad, onde a procura era muita e a oferta
variável.
Era
na cidade de Bissau, que se centralizavam e se desenvolviam as principais
actividades económicas.
À
noite, era mais complicado andar por alguns locais dos arredores da cidade, só
os militares que vinham do mato sofrendo da fobia do arame farpado, arriscavam
andar em Bissau e arredores, indiferentes aos perigos a que estavam sujeitos.
Nesta época, já
começavam a surgir notícias de ataques à cidade de Bissau e arredores.
A
Base Aérea de Bissalanca chegou a ser atacada por foguetões de origem soviética
de 122 mm, que possuíam um alcance superior a vinte quilómetros, sinais de uma
evidente melhoria de organização das tropas do PAIGC.
Noutras
visitas que efectuei a Bissau com maior disponibilidade, percorria a avenida do
Império, via principal da cidade com duas faixas separadas por uma placa
central, bem arborizada e com imensos bancos onde tantas vezes, por força
das elevadas temperaturas, me sentei
descansando, contemplando a paisagem ou fazendo horas para o almoço. Depois
passando pelo café Portugal, ia até ao palácio do governador e descansava um
pouco junto da catedral, símbolo do catolicismo e que penso ser de construção
dos anos 40 ou 50, mas que nunca tive curiosidade em visitar, embora para
alguns a existência desse templo tivesse sido muito importante como elemento de
conforto espiritual.
Passava de seguida pelo velho e degradado
cinema UDIB, propriedade da (União Desportiva Internacional de Bissau),
junto do Banco Nacional Ultramarino e ia até ao mercado de Bandim, (mercado
de Bissau), muito rico em artesanato com grande destaque para a cerâmica,
mas onde era possível comprar quase de tudo bem ao jeito dos típicos mercados
africanos, onde sobressaiam os famosos panos ricos em motivos e cores ou as
originais pulseiras de missanga feitas por encomenda ou na hora muito na moda
na altura entre os militares, onde eram inscritas frases ou nomes vários.
Também os chicotes e os cintos em pele de cobra eram muito apreciados, bem como
as belíssimas esculturas feitas manualmente em madeira de pau-preto onde
destaco as cabeças de casais indígenas e ainda os tapetes de parede e os
serviços de chá chineses muito apreciados na altura e comercializados na famosa
Casa Gouveia (estabelecimento comercial de renome associado à CUF).
Aqui
os garotos vendiam sacos de camarão, ou ofereciam-se para uma limpeza dos
sapatos utilizando improvisadas caixas a troco de alguns pesos, enquanto se
tomava uma bebida e se esperava pela chegada dos jornais desportivos” A Bola”
e” Record “ vindos no último no voo da TAP.
O
almoço sempre que possível era no restaurante Pelicano, frequentado pela
maioria dos oficiais e considerado na época o melhor café, restaurante e
esplanada da Guiné, com um óptimo serviço e uma recheada ementa de saborosos
pratos de carne, peixe e marisco, onde de uma ampla esplanada se vislumbrava
uma magnifica vista para o estuário do rio Geba e para o porto de Pidjiguiti (principal
porto comercial da Guiné).
Quando
o tempo disponível não o permitia, almoçava num dos diversos restaurantes ou
cervejarias que pela cidade abundavam, a Solmar, o Solar 10 e a Ronda, são
alguns exemplos onde um bife no prato com ovo a cavalo e batatas fritas
satisfazia perfeitamente, tornando-se uma refeição bem mais económica.
Em
alternativa, se estivesse no outro lado da cidade também aproveitava para
almoçar na Base Aérea, onde se encontrava em comissão o meu amigo Mário.
Depois
muitas vezes tinha que acorrer às solicitações de camaradas destacados noutras
companhias ou das enfermeiras pára-quedistas que tendo conhecimento da presença
e da história do Augusto, me identificavam através do crachá da CCAÇ16 colocado
na camisa, fazendo-me portador das mais variadas lembranças.
A
meio da tarde e antes do regresso ao local onde se voltava a formar a coluna,
faço mais uma paragem por algumas cervejarias existentes na Av. do Império,
onde a uma imperial estava sempre associado um prato de camarão ou de um cesto
de ostras.
Nesta
altura já eram produzidas na Guiné três marcas de cerveja, a Sagres a Cristal e
a Cicer, embora nos quartéis a que mais se consumia era a Sagres de exportação.
Nestas
visitas à cidade, era igualmente necessário ter muita atenção ao rigor que a PM
exercia no controle sobre os militares chegados do mato, que tinham alguma
tendência para andarem com os seus uniformes um pouco à balda.
A
CCAÇ16 era uma unidade que funcionava como ponto de partida e base de apoio a
operações de alguma envergadura que com frequência incluíam um número razoável
de tropas operacionais compostas por comandos, fuzileiros, pára-quedistas e
grupos especiais de assalto. Este tipo de operações tinham o seu inicio em
terra, mas eram normalmente apoiados por bombardeamentos executados pela Força
Aérea Portuguesa, cujo domínio do ar na altura representava um precioso bem e
uma extraordinária vantagem.
Aviões
e helicópteros causavam o pânico entre os guerrilheiros, abrindo caminho às tropas
terrestres transportando material ou evacuando mortos e feridos com o apoio de
uma tripulação de enfermeiras pára-quedistas.
De
referir o papel importantíssimo que o corpo de enfermeiras pára-quedistas
exerceu durante a sua acção no apoio aos militares na Guiné, treinadas para
agir na evacuação de feridos, assisti nalguns casos e fui conhecedor de outros
onde ficou bem patente o seu extraordinário contributo prestado nas missões a
que durante vários anos foram chamadas a desempenhar.
Assisti
a atitudes demonstrativas de extrema coragem, lembro-me de uma situação em que
o IN atacou um helicóptero atingindo o depósito de combustível com os
estilhaços do morteiro 82mm, e perante a passividade quer do atirador do héli –
canhão,
quer do piloto, uma
enfermeira, numa atitude de extrema coragem, pegou numa metralhadora varrendo a
zona com várias rajadas conseguindo deste modo e com este acto, que o IN se
tenha retraído nas suas intenções e posto em fuga, evitando desta forma danos
de maior junto das NT, permitindo assim uma rápida reacção dos restantes
militares e a manutenção ao aparelho.
A
formação dos helicópteros AlouettIII da F A P, eram pilotados por alferes e
furriéis que por norma voavam aos pares, um dos aparelhos o héli-canhão, apenas
transportava o atirador e o piloto que faziam autenticas maravilhas com aquelas
máquinas voadoras desenhando coreografias impressionantes no ar ou fazendo
gincana entre as copas das árvores.
Antes
de pousarem no Bachile, sobrevoavam a zona e aproveitavam para fazer uma busca
pela mata, com a intenção de procurar alguma peça de caça, que quando bem
sucedidos garantiam numa alteração imediata à ementa prevista para o almoço
desse dia, na companhia, substituindo-a à ultima hora por gazela, cabra do mato
ou javali.
O
pessoal da F A P, coleccionava cabeças de gazela e de outros animais que
mandavam embalsamar, aproveitando a pele para depois de curtida pelos africanos
por processos tradicionais, mandarem fazer tapetes que traziam como recordação
para a metrópole.
Também
porque já conhecedores da presença do Augusto, cada vez que visitavam Bachile,
não se esqueciam, em particular as enfermeiras, em presentear o garoto com as
mais diversas lembranças, desde roupa a guloseimas e brinquedos fazendo a
felicidade daquele menino.
O
convívio com este pessoal da F. A. foi sempre também muito salutar, pois eram
extremamente solidários e compreensivos para connosco e perante as nossas
dificuldades.
Os meus parabéns ao camarada António Branco pela publicação. Possivelmente nos cruzamos no Bachil em 1973, onde fui algumas vezes. Eu pertencia à CCaç 3461 do BCaç 3863. Tenho na memória alguns episódios que me relacionam com a CCAÇ16 e com o seu Comandante, Capitão Abílio Afonso.
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