O
ano de 1973, inicia-se extremamente tenso e difícil, após a morte do líder do
PAIGC Amílcar Cabral, assassinado em Conacri a 20 de Janeiro e cujos contornos
ainda hoje não são totalmente conhecidos, o conflito agrava-se ainda mais, as
acções de guerrilha intensificam-se em várias frentes do território e o PAIGC,
começa a revelar diferentes comportamentos.
As
forças IN apercebem-se da fragilidade das NT, que estão mal preparadas e
equipadas face às exigências, defendendo os seus aquartelamentos como podem.
Os
guerrilheiros do PAIGC, deixam de ter o receio demonstrado até aqui pelos
bombardeamentos de artilharia de que eram alvo a partir dos nossos obuses e dos
ataques desencadeados a partir do HÉLI – CANHÃO (helicópetero equipado com
canhão 20mm- o lobo mau) nome porque era conhecido pelo IN.
Com
a introdução de mísseis terra ar STRELLA, de fabrico Soviético que só agora
iniciam a sua utilização apesar de já possuírem antiaéreas a algum tempo que
atingiam objectivos com
grande precisão a
dezenas de quilómetros de distancia, começam a alvejar e a abater, alguns dos
nossos aviões T6 e DO 27, provocando deste modo o desequilibro no teatro de
operações, causando sérias limitações ao emprego do meio aéreo no apoio às
nossas forças de superfície, começando também a ser alarmante a situação
relativa ao material que dispúnhamos quer em qualidade quer em quantidade.
A 25 de Março deste ano surge a notícia
do primeiro avião FIAT-G91 abatido pelas forças opostas, seguindo-se outros
casos.
Ficaram assim algo
enfraquecidas a capacidade e o moral das NT, bem como a influência destas sobre
grande parte da população.
Os
FIAT – G91, adquiridos por Portugal à Alemanha em 1966, eram o principal avião
de combate em toda a guerra embora o número de unidades fosse bastante reduzido
e a partir do momento em que a acção dos mísseis STRELLA se torna mais
acentuada, foi necessário alterar o comportamento e as tácticas, implicando voos
e altitudes diferentes e pintando os aviões com uma tinta especial destinada a
deixa-los menos visíveis aos mísseis.
Mesmo
assim as deficiências são demasiado evidentes e o General Spínola escreve a
Marcelo Caetano (Presidente do Conselho de Ministros) informando-o da
evolução dos acontecimentos e sugerindo a necessidade de medidas de natureza
política, lamentando não possuir armamento capaz de responder aos novos
desafios não só por causa dos STRELLA mas também dos aviões MIG-21 fornecidos
ao PAIGC pela Guiné – Conacry.
Apesar
deste cenário extremamente negativo, as nossas forças
mantêm uma atitude
ofensiva na misteriosa mata da CABOIANA, onde os nossos aviões FIAT-G91
cruzavam os céus.
Obrigados
agora a voar a mais baixa altitude batem a zona ou picam sobre a floresta,
descarregando toneladas das nefastas bombas NALPAM, (Bombas incendiárias)
preparando a entrada das NT em locais onde se escondiam além dos guerrilheiros,
mulheres e crianças, ficando algumas destas bastante feridas às quais as NT
tentavam socorrer, indo busca-las para serem transportadas para os serviços de
saúde em Bissau
Quase
sempre este tipo de acções era realizado durante a noite e considerando a
proximidade entre o nosso quartel e o objectivo, tornava-se necessário criar
formas simples de identificar a nossa localização, colocando no meio da parada
garrafas de cerveja cheias de petróleo com o respectivo pavio aceso e dispostas
em forma de cruz sinalizando o aquartelamento e tentando deste modo evitar que
os bombardeamentos fossem efectuados demasiado perto das nossas instalações,
evitando causar eventuais danos.
Mesmo
com estas medidas e considerando a proximidade do local alvo dos bombardeamentos,
quando estes eram efectuados sentíamos tudo a abanar, obrigando a tomar as
máximas precauções, recorrendo por vezes a outros meios de protecção.
Nesses
dias o volume de trabalho aumentava substancialmente, era necessário apoio
logístico aquelas complexas operações que para além da participação da Força
Aérea, contavam igualmente com a intervenção do Exército, dos Comandos, dos
Fuzileiros e ainda de um grupo especial de assalto
constituído apenas por
naturais da Guiné, um grupo muito restrito, chefiados pelo Tenente-coronel
Comando Marcelino da Mata, guineense de etnia Papel que iniciando o serviço
militar como soldado no Batalhão de Comandos Africanos, participou ao longo dos
anos em cerca de 2500 operações de grande violência sendo o militar português
mais condecorado de toda a história das forças armadas.
No
Bachile vivia-se de uma forma intensa este tipo de operações que implicavam
algum aparato bélico.
Por
esse motivo, nestas alturas na nossa unidade, eram bem evidentes os aumentos
dos níveis de segurança.
Por
outro lado o movimento de militares envolvidos nestas acções potenciava
igualmente um período em que se viviam momentos de franca confraternização.
Terminadas
estas acções e retirado o apoio, evidenciava-se mais ainda a fragilidade da
nossa posição.
Depois
da conclusão destas operações, efectuava-se um levantamento às suas
consequências e seguia-se um período de tréguas aproveitado pelo IN para se
reorganizar porque, conhecedores da origem da flagelação a que estiveram
sujeitos era garantido que alguns dias depois nos visitavam retaliando-nos com
violência
Cada
final de dia no Bachile, era vivido de uma forma mais ou menos intensa, depois
de um belo duche, chegava o momento de nos preparar – mos para o jantar que se
não houvesse motivo de força maior, era servido por volta das vinte horas.
Era
normalmente a partir desta hora, com o aproximar do cair da noite, que
recebíamos a visita dos nossos amigos turras,
infligindo-nos ataques
iniciados junto ao arame, um processo algo diferente de actuar em relação ao que
sucedia em Angola e Moçambique, motivado pelas características planas da Guiné
e pela sua pequena área mas também pelas potencialidades do moderno armamento
na sua maioria de origem Soviética, que lhes favorecia esta táctica de guerra.
Entretanto,
o ambiente de subversão em algumas zonas, torna-se cada vez mais tenso, no
Bachile percebe-se isso e as notícias que nos chegam dão conta de situações
cada vez mais graves, como o que se passou com o pessoal de Guilege que depois
de sofrerem ataques fortíssimos com consequências enormes, são forçados a
abandonar o quartel altamente flagelado.
Surgem
igualmente relatos de situações vividas noutros locais em quartéis onde as NT,
estão completamente cercadas, a situação em Gadamael é insustentável, sujeita a
ataques contínuos e com o pessoal bastante traumatizado psicologicamente, sendo
considerado pelos entendidos ter sido este o momento chave para o desequilíbrio
do conflito.
À
noite os sons nocturnos assumem outras proporções, o silêncio nas casernas só é
interrompido por uma ou outra rajada que as sentinelas disparam ao ouvirem
ruídos vários junto ao mato provocados por animais que atraídos pela luz se
tentam aproximar do quartel.
Por
vezes ouvem-se os rebentamentos de acções contra várias unidades, porque se para
nós a noite se perspectivava calma, provavelmente camaradas de outros quartéis
situados em zonas relativamente próximas eram contemplados com as acções do IN,
sendo bem visível e audível o efeito dos ataques, não
podendo
nós mais fazer do que encolher os ombros e comentar “ a malta de x está a
enfardar”
Não
tenho registos escritos ou de outra natureza, dos dias e horas em que eu e os meus
camaradas de companhia, fomos alvo de alguns ataques ou emboscadas, excepção
feita a um que necessariamente não posso apagar da minha memória por ter
acontecido precisamente no dia do meu vigésimo terceiro aniversário a
24-06-1973.
Neste
conflito designado guerrilha subversiva, existiam elementos externos que
funcionavam como informadores oriundos de determinados grupos da população, que
a troco de alguma recompensa monetária ou de outra natureza nos facultavam
indicações sobre a actividade dos guerrilheiros e as suas prováveis intenções,
muito embora soubesse-mos que no regresso também disponibilizavam ao IN, dados
pormenorizados sobre as NT.
Na
sequência deste tipo de informação havia uma emissão de rádio ao serviço do
PAIGC, emitida a partir do Senegal pela voz de Amélia Araújo (Maria Turra)
uma senhora natural de Angola, que hoje vive em Cabo Verde e ao que diziam era
a segunda mulher do antigo presidente do PAIGC, Amilcar Cabral.
Era por ela divulgada
todas as noites aos microfones da Rádio Libertação, imensas informações quase
sempre intencionalmente contraditórias sobre possíveis ataques e suas
consequências, cujo objectivo servia para levantar o moral dos turras e
consequentemente contribuir para a desmoralização dos nossos homens.
Chegava
ao ponto de nas suas locuções identificar cada um de nós pelo seu nome em
termos pejorativos e inclusive alguns dos nossos familiares.
Após
diversas contradições veiculadas durante algum tempo sobre mais um possível
ataque ao Bachile, neste dia e depois de tudo já preparado para comemorar a
passagem do meu 23º aniversário num jantar com a presença de todos os meus
camaradas e superiores a realizarem no espaço
destinado ao refeitório, onde já se encontravam na mesa dois grandes tabuleiros
com cabra de mato assada no forno, várias travessas de marisco, um bolo de
aniversário e muita Coca-Cola, cerveja e vinho verde.
Fomos
atacados precisamente às vinte horas e cinco minutos, junto ao arame do lado
norte do quartel com fogo inicial de armas ligeiras, seguido de morteiro 82
(IN) e RPG (lança granada foguete IN).
O
ataque foi na sua maioria direccionado sobre o refeitório, onde só por acaso
ainda não se encontrava nenhum de nós porque um ligeiro atraso na rendição de
serviço de um camarada de transmissões motivou não estar-mos ainda no local
para dar inicio ao jantar.
Não
restavam quaisquer dúvidas que a ofensiva desencadeada naquele dia e aquela
hora com forte incidência sobre o local onde seria suposto estarem a maioria
dos militares brancos, tinha com objectivo demasiado evidente, provocar manga
di chocolate (barulho, grande ataque com muito fogachal) causando
grandes baixas aos tugas (português, branco, colonialista, termo
depreciativo)
Naquele
dia, momentos antes do ataque, estava junto à porta da minha caserna a
conversar com um camarada e a comentar ser estranho não ver o habitual
movimento de militares africanos junto à sala do soldado, quando o mesmo se
desencadeou.
Aos
primeiros sons das rajadas de metralhadoras KALASH AK47, corri com intenção de
me dirigir ao espaldão onde estava o morteiro que me estava distribuído, mas a
intensidade e a direcção do fogo de armas ligeiras era de tal ordem que fui
obrigado a proteger-me, deitando-me no chão entre a minha caserna e o edifício
do comando junto a uma viatura Berliet, em
cujo taipal traseiro eram bem perceptíveis os
efeitos das violentas rajadas.
De
seguida surgem os rebentamentos das granadas de morteiro que começam a cair
cada vez mais próximas das nossas posições e já bem no interior do quartel.
A
fortíssima deslocação de ar provocada pelas explosões cada vez mais próximo do
local onde me encontrava protegido, fez-me levantar várias vezes alguns
centímetros do chão e depois cair sobre fragmentos de vidros das garrafas de
cerveja espalhadas pelo chão, o que me provocou alguns cortes nos dois braços e
alguma tensão até ter percebido a verdadeira causa dos ferimentos e a noção do
que realmente me tinha sucedido.
Uma
pausa momentânea da intensidade do fogo IN, permitiu que conseguisse chegar ao
espaldão e ao morteiro 81mm, dou então inicio à tentativa de resposta ao
ataque, lançando algumas granadas tentando acalmar a intensidade do fogo IN e
batendo a zona na direcção de uma previsível retirada.
De
repente para além dos elementos previstos para a guarnição do espaldão, surge
refugiando-se junto de nós, um soldado africano trazendo uma lata contendo
vinho de palma, insistiu para que bebêssemos porque segundo a sua crença, quem
o fizesse ficava com o corpo protegido.
Perante
tão grande solicitação, fiz-lhe a vontade e bebemos os dois um pouco daquele
vinho que até tinha um sabor bem agradável, só me apercebendo quando o dia
amanheceu do estado deplorável em que se encontrava aquele recipiente.
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