sexta-feira, 11 de maio de 2012

GUINÉ BACHILE-1972-1974 IX




O ano de 1973, inicia-se extremamente tenso e difícil, após a morte do líder do PAIGC Amílcar Cabral, assassinado em Conacri a 20 de Janeiro e cujos contornos ainda hoje não são totalmente conhecidos, o conflito agrava-se ainda mais, as acções de guerrilha intensificam-se em várias frentes do território e o PAIGC, começa a revelar diferentes comportamentos.

As forças IN apercebem-se da fragilidade das NT, que estão mal preparadas e equipadas face às exigências, defendendo os seus aquartelamentos como podem.






Os guerrilheiros do PAIGC, deixam de ter o receio demonstrado até aqui pelos bombardeamentos de artilharia de que eram alvo a partir dos nossos obuses e dos ataques desencadeados a partir do HÉLI – CANHÃO (helicópetero equipado com canhão 20mm- o lobo mau) nome porque era conhecido pelo IN.

Com a introdução de mísseis terra ar STRELLA, de fabrico Soviético que só agora iniciam a sua utilização apesar de já possuírem antiaéreas a algum tempo que atingiam objectivos com


grande precisão a dezenas de quilómetros de distancia, começam a alvejar e a abater, alguns dos nossos aviões T6 e DO 27, provocando deste modo o desequilibro no teatro de operações, causando sérias limitações ao emprego do meio aéreo no apoio às nossas forças de superfície, começando também a ser alarmante a situação relativa ao material que dispúnhamos quer em qualidade quer em quantidade.
        A 25 de Março deste ano surge a notícia do primeiro avião FIAT-G91 abatido pelas forças opostas, seguindo-se outros casos.
Ficaram assim algo enfraquecidas a capacidade e o moral das NT, bem como a influência destas sobre grande parte da população.
Os FIAT – G91, adquiridos por Portugal à Alemanha em 1966, eram o principal avião de combate em toda a guerra embora o número de unidades fosse bastante reduzido e a partir do momento em que a acção dos mísseis STRELLA se torna mais acentuada, foi necessário alterar o comportamento e as tácticas, implicando voos e altitudes diferentes e pintando os aviões com uma tinta especial destinada a deixa-los menos visíveis aos mísseis.
Mesmo assim as deficiências são demasiado evidentes e o General Spínola escreve a Marcelo Caetano (Presidente do Conselho de Ministros) informando-o da evolução dos acontecimentos e sugerindo a necessidade de medidas de natureza política, lamentando não possuir armamento capaz de responder aos novos desafios não só por causa dos STRELLA mas também dos aviões MIG-21 fornecidos ao PAIGC pela Guiné – Conacry.
Apesar deste cenário extremamente negativo, as nossas forças
mantêm uma atitude ofensiva na misteriosa mata da CABOIANA, onde os nossos aviões FIAT-G91 cruzavam os céus.


Obrigados agora a voar a mais baixa altitude batem a zona ou picam sobre a floresta, descarregando toneladas das nefastas bombas NALPAM, (Bombas incendiárias) preparando a entrada das NT em locais onde se escondiam além dos guerrilheiros, mulheres e crianças, ficando algumas destas bastante feridas às quais as NT tentavam socorrer, indo busca-las para serem transportadas para os serviços de saúde em Bissau
Quase sempre este tipo de acções era realizado durante a noite e considerando a proximidade entre o nosso quartel e o objectivo, tornava-se necessário criar formas simples de identificar a nossa localização, colocando no meio da parada garrafas de cerveja cheias de petróleo com o respectivo pavio aceso e dispostas em forma de cruz sinalizando o aquartelamento e tentando deste modo evitar que os bombardeamentos fossem efectuados demasiado perto das nossas instalações, evitando causar eventuais danos.
Mesmo com estas medidas e considerando a proximidade do local alvo dos bombardeamentos, quando estes eram efectuados sentíamos tudo a abanar, obrigando a tomar as máximas precauções, recorrendo por vezes a outros meios de protecção.
Nesses dias o volume de trabalho aumentava substancialmente, era necessário apoio logístico aquelas complexas operações que para além da participação da Força Aérea, contavam igualmente com a intervenção do Exército, dos Comandos, dos Fuzileiros e ainda de um grupo especial de assalto

constituído apenas por naturais da Guiné, um grupo muito restrito, chefiados pelo Tenente-coronel Comando Marcelino da Mata, guineense de etnia Papel que iniciando o serviço militar como soldado no Batalhão de Comandos Africanos, participou ao longo dos anos em cerca de 2500 operações de grande violência sendo o militar português mais condecorado de toda a história das forças armadas.
No Bachile vivia-se de uma forma intensa este tipo de operações que implicavam algum aparato bélico.
Por esse motivo, nestas alturas na nossa unidade, eram bem evidentes os aumentos dos níveis de segurança.
Por outro lado o movimento de militares envolvidos nestas acções potenciava igualmente um período em que se viviam momentos de franca confraternização.
Terminadas estas acções e retirado o apoio, evidenciava-se mais ainda a fragilidade da nossa posição.
Depois da conclusão destas operações, efectuava-se um levantamento às suas consequências e seguia-se um período de tréguas aproveitado pelo IN para se reorganizar porque, conhecedores da origem da flagelação a que estiveram sujeitos era garantido que alguns dias depois nos visitavam retaliando-nos com violência
Cada final de dia no Bachile, era vivido de uma forma mais ou menos intensa, depois de um belo duche, chegava o momento de nos preparar – mos para o jantar que se não houvesse motivo de força maior, era servido por volta das vinte horas.
Era normalmente a partir desta hora, com o aproximar do cair da noite, que recebíamos a visita dos nossos amigos turras,

infligindo-nos ataques iniciados junto ao arame, um processo algo diferente de actuar em relação ao que sucedia em Angola e Moçambique, motivado pelas características planas da Guiné e pela sua pequena área mas também pelas potencialidades do moderno armamento na sua maioria de origem Soviética, que lhes favorecia esta táctica de guerra.
Entretanto, o ambiente de subversão em algumas zonas, torna-se cada vez mais tenso, no Bachile percebe-se isso e as notícias que nos chegam dão conta de situações cada vez mais graves, como o que se passou com o pessoal de Guilege que depois de sofrerem ataques fortíssimos com consequências enormes, são forçados a abandonar o quartel altamente flagelado.
Surgem igualmente relatos de situações vividas noutros locais em quartéis onde as NT, estão completamente cercadas, a situação em Gadamael é insustentável, sujeita a ataques contínuos e com o pessoal bastante traumatizado psicologicamente, sendo considerado pelos entendidos ter sido este o momento chave para o desequilíbrio do conflito.
À noite os sons nocturnos assumem outras proporções, o silêncio nas casernas só é interrompido por uma ou outra rajada que as sentinelas disparam ao ouvirem ruídos vários junto ao mato provocados por animais que atraídos pela luz se tentam aproximar do quartel.
Por vezes ouvem-se os rebentamentos de acções contra várias unidades, porque se para nós a noite se perspectivava calma, provavelmente camaradas de outros quartéis situados em zonas relativamente próximas eram contemplados com as acções do IN, sendo bem visível e audível o efeito dos ataques, não

  podendo nós mais fazer do que encolher os ombros e comentar “ a malta de x está a enfardar
Não tenho registos escritos ou de outra natureza, dos dias e horas em que eu e os meus camaradas de companhia, fomos alvo de alguns ataques ou emboscadas, excepção feita a um que necessariamente não posso apagar da minha memória por ter acontecido precisamente no dia do meu vigésimo terceiro aniversário a 24-06-1973.
Neste conflito designado guerrilha subversiva, existiam elementos externos que funcionavam como informadores oriundos de determinados grupos da população, que a troco de alguma recompensa monetária ou de outra natureza nos facultavam indicações sobre a actividade dos guerrilheiros e as suas prováveis intenções, muito embora soubesse-mos que no regresso também disponibilizavam ao IN, dados pormenorizados sobre as NT.
Na sequência deste tipo de informação havia uma emissão de rádio ao serviço do PAIGC, emitida a partir do Senegal pela voz de Amélia Araújo (Maria Turra) uma senhora natural de Angola, que hoje vive em Cabo Verde e ao que diziam era a segunda mulher do antigo presidente do PAIGC, Amilcar Cabral.
Era por ela divulgada todas as noites aos microfones da Rádio Libertação, imensas informações quase sempre intencionalmente contraditórias sobre possíveis ataques e suas consequências, cujo objectivo servia para levantar o moral dos turras e consequentemente contribuir para a desmoralização dos nossos homens.
Chegava ao ponto de nas suas locuções identificar cada um de nós pelo seu nome em termos pejorativos e inclusive alguns dos nossos familiares.
Após diversas contradições veiculadas durante algum tempo sobre mais um possível ataque ao Bachile, neste dia e depois de tudo já preparado para comemorar a passagem do meu 23º aniversário num jantar com a presença de todos os meus 
 camaradas e superiores a realizarem no espaço destinado ao refeitório, onde já se encontravam na mesa dois grandes tabuleiros com cabra de mato assada no forno, várias travessas de marisco, um bolo de aniversário e muita Coca-Cola, cerveja e vinho verde.
Fomos atacados precisamente às vinte horas e cinco minutos, junto ao arame do lado norte do quartel com fogo inicial de armas ligeiras, seguido de morteiro 82 (IN) e RPG (lança granada foguete IN).
O ataque foi na sua maioria direccionado sobre o refeitório, onde só por acaso ainda não se encontrava nenhum de nós porque um ligeiro atraso na rendição de serviço de um camarada de transmissões motivou não estar-mos ainda no local para dar inicio ao jantar.
Não restavam quaisquer dúvidas que a ofensiva desencadeada naquele dia e aquela hora com forte incidência sobre o local onde seria suposto estarem a maioria dos militares brancos, tinha com objectivo demasiado evidente, provocar manga di chocolate (barulho, grande ataque com muito fogachal) causando grandes baixas aos tugas (português, branco, colonialista, termo depreciativo)
Naquele dia, momentos antes do ataque, estava junto à porta da minha caserna a conversar com um camarada e a comentar ser estranho não ver o habitual movimento de militares africanos junto à sala do soldado, quando o mesmo se desencadeou.
Aos primeiros sons das rajadas de metralhadoras KALASH AK47, corri com intenção de me dirigir ao espaldão onde estava o morteiro que me estava distribuído, mas a intensidade e a direcção do fogo de armas ligeiras era de tal ordem que fui obrigado a proteger-me, deitando-me no chão entre a minha caserna e o edifício do comando junto a uma viatura Berliet, em
 cujo taipal traseiro eram bem perceptíveis os efeitos das violentas rajadas.
De seguida surgem os rebentamentos das granadas de morteiro que começam a cair cada vez mais próximas das nossas posições e já bem no interior do quartel.




A fortíssima deslocação de ar provocada pelas explosões cada vez mais próximo do local onde me encontrava protegido, fez-me levantar várias vezes alguns centímetros do chão e depois cair sobre fragmentos de vidros das garrafas de cerveja espalhadas pelo chão, o que me provocou alguns cortes nos dois braços e alguma tensão até ter percebido a verdadeira causa dos ferimentos e a noção do que realmente me tinha sucedido.
Uma pausa momentânea da intensidade do fogo IN, permitiu que conseguisse chegar ao espaldão e ao morteiro 81mm, dou então inicio à tentativa de resposta ao ataque, lançando algumas granadas tentando acalmar a intensidade do fogo IN e batendo a zona na direcção de uma previsível retirada.
De repente para além dos elementos previstos para a guarnição do espaldão, surge refugiando-se junto de nós, um soldado africano trazendo uma lata contendo vinho de palma, insistiu para que bebêssemos porque segundo a sua crença, quem o fizesse ficava com o corpo protegido.
Perante tão grande solicitação, fiz-lhe a vontade e bebemos os dois um pouco daquele vinho que até tinha um sabor bem agradável, só me apercebendo quando o dia amanheceu do estado deplorável em que se encontrava aquele recipiente.


























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