segunda-feira, 7 de maio de 2012

GUINÉ BACHILE 1972-1974 IV










Uma situação no mínimo estranha mas como outras muito frequentes nesta guerra cheia de contrastes, foi o facto de que tendo efectuado na metrópole a minha formação e especialização em Reabastecimento de Material, treinado fogo real apenas com duas ou três armas, fui na Guiné face às necessidades das funções de mecânico de armamento, obrigado a fazer fogo com todo o tipo de armamento existente na companhia, passando a ser para além do comandante o único militar com autorização para executar fogo de experiência em qualquer situação.

Era igualmente da minha competência, a manutenção dos frigoríficos e arcas congeladoras existentes no quartel.

 Estes equipamentos, funcionavam a petróleo e a sua manutenção baseava-se em manter os níveis dos depósitos, substituir as mechas e verificar o estado das tubagens dos aparelhos.

A alimentação no quartel era habitualmente igual para todos os elementos metropolitanos, mas a ementa dependia muito da situação vivida no momento ou do facto das colunas de reabastecimento conseguirem chegar ou não ao destino a tempo e horas.

De qualquer forma, nunca era muito variada e em quase todas as refeições se incluía a bianda (arroz, base da alimentação da população da época), que os africanos acompanhavam com mafé (acompanhamento de bianda, conduto, muitas vezes peixe seco). e que nós acompanhava-mos com peixe frito ou carne guisada.

Também se utilizava frequentemente, dobrada liofilizada com feijão branco, ou grão com bacalhau igualmente proveniente do processo de liofilização (técnica natural de secagem a baixa temperatura, onde a água é retirada do produto no vácuo a 30º, que permite a conservação dos alimentos mantendo as suas principais características).

 

Por vezes ao domingo era motivo de festa quando tínhamos direito a ¼ de frango assado acompanhado de batata frita e arroz e para variar o habitual consumo de cerveja, esta refeição era acompanhada de uma garrafa de vinho verde Casal Garcia.
Quando as colunas de reabastecimento de géneros, com uma periodicidade mensal eram atacadas em emboscadas e o seu conteúdo destruído, saqueado ou impedidas de chegarem ao seu destino, a reposição dos géneros só voltava a ser possível quando da próxima data de calendário referente ao mês seguinte, tornando-se necessário encontrar soluções, tomando iniciativas, pondo a imaginação a funcionar.
As diversas alternativas que nos surgiam, passavam por uma deslocação até à margem de um rio nas proximidades do Bachile, onde com o auxilio de granadas defensivas lançadas à água, capturávamos alguns peixes que pelo impacto da explosão, ficavam a boiar sendo depois de seleccionados, aproveitados na maioria das vezes para fritar.
Outra hipótese seria recorrer à caça mas, esta alternativa para nós tornava-se um pouco mais complicada porque, assustado pelos rebentamentos provocados pelas explosões os animais não andavam tão próximo do quartel quanto o desejávamos e por isso era necessário avançar largos metros dentro da mata para encontrar alguma peça de caça, o que naquela zona, também não era de todo recomendável.
Mesmo assim, numa dessas arriscadas saídas para o exterior do arame farpado, nas imediações do quartel na busca de algo, encontramos nesse dia um descontraído casal de búfalos.
         Na falta de melhor e naquele momento servia perfeitamente para colmatar a falta de alimento durante algum tempo, só que a surpresa maior estava para chegar, porque ao dispararem sobre os animais, o primeiro a ser atingido foi o macho o que provocou


uma reacção nada simpática mas muito natural da fêmea, investindo ferozmente na nossa direcção, sendo necessário igualmente abatê-la para que não nos viesse a causar problemas de maior.
Só mais tarde soubemos que os búfalos andam normalmente acompanhados do outro elemento do casal e quando o macho é atingido a fêmea reage investindo, ao contrário essa reacção não se verifica porque o macho não é tão solidário e foge.
Perante a quantidade inesperada de carne conseguida, foi necessário proceder ao seu transporte para o quartel em duas viaturas Unimog 404 (Burrinho do mato) depois de retirados os respectivos bancos.
Depois de devidamente limpa e separada, foi guardada em várias arcas sendo consumida até se esgotar o stock.
A carne de búfalo tem um paladar muito semelhante ao da carne de vaca, embora de aspecto um pouco mais escura e também por ser um animal selvagem é também um pouco mais dura.
Durante muitos dias e face à falta de outros géneros, a ementa não mudou e a maioria das refeições basearam-se em carne de búfalo guisada ao almoço e ao jantar, alternando apenas o acompanhamento de arroz ou batatas.
Na estrada em locais bem mais distantes dos quartéis ou de zonas habitadas, a presença de alguns animais selvagens, faz-se sentir por vezes quando menos se espera, uma gazela que se atravessa na estrada, um macaco que salta das velhas e opulentas árvores ou o rebanho que se afastou da povoação e teima em não se desviar, são cenários observados com bastante regularidade.
As hienas, (Lubus) eram as que mais se aproximavam do arame farpado, à noite procuravam água junto das bananeiras, emitindo o seu característico grito imitando o choro de um bebé.
Também os sancu (Macaco cão em crioulo), invadiam com frequência o espaço junto ao arame onde existiam plantações de mancarra e na luta pela sua posse provocavam uma enorme confusão.
Igualmente as cobras das mais variadas espécies e tamanhos representavam um perigo permanente onde a cuspideira era conotada como das mais temidas e perigosas porque laçavam fortes jactos de saliva, correndo o risco de cegar quem por elas fosse atingido, surpreendendo-nos quando destapávamos as caixas de madeira onde guardava-mos nos espaldões as granadas e outro tipo de munições.
Presenciei vários tipos e tamanhos destes répteis, tinha sempre muita atenção onde pensava poder encontrar alguma e reforçava os cuidados quando da altura da mudança da pele em que se tornavam bastante mais agressivas.
Outros répteis como os crocodilos que os africanos muito apreciavam e chamavam lagartos, tinham o seu habitat próprio e quando capturados os de menor tamanho, eram aproveitados para a sua alimentação. 
Outro animal muito popular na Guiné são os Djagudis (Abutre), ave protegida pelas autoridades devido ao seu importante trabalho de limpeza, comendo tudo o que é podre, prevenindo alguns focos infecciosos e a par desta operação de limpeza os Djagudis estão ainda ligados a algumas práticas místicas segundo algumas etnias e sagrados para os Papeis que acreditam que o poilão (Árvore frondosa onde se extrai uma espécie de sumaúma) e os abutres chegam a viver mais de trezentos anos.
À noite a certeza de um maciço ataque de mosquitos que só as redes conseguem amenizar um pouco mas ainda pode acontecer uma invasão da caserna por bandos de morcegos cegos
 pela iluminação ou ainda a natural intrusão de outros animais como ratos alguns de tamanho considerável e superior a muitos coelhos cujo atrevimento levava a introduzirem-se nas camas.
Ataques de formigas das mais diversas espécies e tamanhos eram igualmente muito frequentes, sendo a Baga-Baga a mais conhecida (Termiteira, monte de terra muito resistente construído por formigas gigantes) “ bu sinta riba di baga baga-bu na rui com” (você está sentado em cima da termiteira e fala mal do chão) “provérbio crioulo”.
Para completar esta diversidade de animais, adoptei um esquilo que por ser muito novo, alimentei-o a leite, improvisando um biberão feito com uma garrafa de cerveja à qual adaptei uma chucha

Na falta do tradicional cão, existia no quartel um macaco de nome banzé, que funcionava como mascote da companhia.
Ao domingo, proporcionava-nos momentos de boa disposição e entretenimento com as suas tropelias e deambulações provocadas pela ingestão de whisky brandi e bagaço que lhe colocávamos num prato e que sofregamente devorava.
Depois, já completamente embriagado, era colocado na boca um cigarro que depois de acesso, lhe provocava um comportamento com cenas indiscritíveis e hilariantes.
Sair para o exterior do arame farpado sem ser inserido num grupo e devidamente armado, era muito complicado no entanto, algumas vezes havia uma certa tendência para se facilitar um pouco infringindo as normas básicas de segurança.
Certo dia, logo após o almoço e juntamente com outro camarada resolvemos dar uma volta pelo exterior do quartel, não muito distante do arame farpado, em volta ao seu perímetro.


 A determinada altura, verificamos que junto a um pequeno lago causado pela chuva se encontrava um felino com algum porte, depois constatámos tratar-se de uma onça bebendo e assim que se apercebeu da nossa presença, fixou-nos, demonstrando quais os seus reais intentos, iniciando de seguida a sua marcha acelerada na nossa direcção.
Momento muito complicado porque sabia ser um animal extremamente perigoso e veloz mesmo em curtas distâncias.
Assim e após o primeiro choque não nos restavam muitas alternativas e qualquer atitude a tomar não nos deixava muito tempo disponível se queríamos sair dali vivos.
O primeiro disparo não foi suficiente para a abater e só com uma reacção muito rápida, muita sorte e algum sangue frio conseguimos depois de disparar mais alguns tiros eliminar de vez o animal.
Este tiroteio causou alguma perturbação dentro do quartel porque os camaradas de serviço nos postos de reforço sabiam da nossa presença e pensaram que algo bem mais complicado poderia estar a acontecer.
Por força das elevadas temperaturas que se faziam sentir a seguir ao almoço, esse período era também aproveitado para colocar a escrita em dia, escrevendo aos familiares, amigos, namorada, madrinhas de guerra ou simples correspondentes, dando resposta aos aerogramas (corta-capins) que chegaram durante a manhã.    
                                                                                                                                                                                                                                      Ao   fim da tarde, quando a agressividade das elevadas temperaturas menos se faziam sentir, também aproveitava-mos para praticar alguma modalidade desportiva, são exemplo o (futebol, voleibol ou basquetebol) modalidades em que eram organizados torneios internos entre oficiais, sargentos e praças e onde se disputava a atribuição de trofeus.





Aproveitava-se igualmente o fim da tarde para umas sessões práticas de condução, numas improvisadas aulas que decorriam num espaço em terra batida existente no interior do quartel, com as viaturas Unimog 404 ou 411 e o jipe da companhia e foi desta forma que alguns como eu aprenderam a conduzir.
Ainda descobrimos mais uma forma de passar-mos o tempo,” a guerra podia esperar” em vez de enviar-mos os nossos rolos fotográficos para serem revelados no exterior, adquirimos um kit para o efeito e improvisámos a montagem de um laboratório fotográfico que funcionava numa sala situada no edifício do bar de oficiais, aproveitando deste modo os conhecimentos de um camarada nesta área.
Aí, eram reveladas as fotos a preto e branco com as quais elaborámos os nossos álbuns de recordações e as fotos que enviávamos aos nossos familiares e amigos, com algumas das quais, foram feitas montagens dando azo à nossa criatividade e imaginação, criando entre outros, os nossos próprios postais de boas festas










Ainda no que se refere ao lazer, creio que por uma ou duas vezes, fomos presenteados com a exibição de filmes, cuja projecção da responsabilidade dos serviços telecine do exército era feita â noite na parede lateral exterior de uma caserna e interrompida frequentemente pelos rebentamentos das lâmpadas da máquina de projectar causado por excesso de aquecimento e provocando algumas situações no mínimo hilariantes, pela semelhança com um rebentamento de um qualquer disparo de arma IN.
Para meu entretenimento musical possuía um rádio a pilhas que para uma melhor recepção, estava ligado por um fio ao mastro da antena do serviço de transmissões, tentando captar o melhor sinal de algum emissor de Lisboa, na tentativa de ouvir

 os relatos de futebol emitidos ao domingo à tarde, acompanhando o meu clube preferido e à noite ouvir o programa de discos pedidos emitido pela rádio Bissau, apresentado e realizado pelo bem conhecido radialista João Paulo Diniz.
Recordo que na altura um dos grandes êxitos musicais junto dos militares era a canção do Gianni Morandi “Non son degno di te” ou ainda a do Paco Bandeira com o título “Lá longe onde o sol castiga mais
A propósito da música de Gianni Morandi, recordo uma forma engraçada do apresentador, expressar em crioulo o pedido solicitado por um militar africano e que era pronunciado deste modo (Para João Seissi Djaló que firma na tabanca de Catió, vai cantar Gianni Morandi, No sou digno de bó).
O final de cada dia também nos proporcionava o registo na memória visual e fotográfica de espectaculares imagens de um pôr de Sol, momentos simplesmente mágicos que só África nos pode oferecer.
A contrastar as imagens de tempestades tropicais normalmente acompanhadas de fortes trovoadas, cujas descargas eléctricas se confundiam por vezes com os rebentamentos e que igualmente provocaram vítimas, a elevada precipitação e as fortíssimas rajadas de vento capazes de arrancar algumas chapas de zinco que serviam de telhado às casernas, eram outro espectáculo tão digno de assistir como de respeitar.




             












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