sexta-feira, 17 de abril de 2009

AINDA SINTO 0 CACIMBO












A minha única experiência em África decorreu entre o período de 1972 e 1974, no âmbito do cumprimento de uma missão a que o regime político vigente na altura resolveu designar por “Guerra do Ultramar “. Fui empurrado para esta guerra por obrigação e absolutamente contrariado, pois já na época tinha consciência dos motivos que levaram os nossos políticos a sustentarem-na.
Não pretendo criticar quem a fez com convicção, nem quem escolheu outros caminhos ou até mesmo os que optaram pela sua recusa porque, o meu modelo de vida e os meus valores serviram muito bem a minha consciência. Fiz quase dois anos de comissão, num ambiente completamente hostil, cheio de riscos, privações e sacrifícios, mas apesar de tudo, não atiro pedras a ninguém, assim como não aceito que se atrevam a atira-las a mime nem sequer quero imaginar que tal sentimento seja partilhado por todos. Estive dois anos no Bachile uma zona operacional situada a norte da Guiné, colocado na C.CAÇ16, companhia africana que incluía mais de cento e cinquenta naturais da Guiné de várias etnias.
Privilegiei na medida do possível o contacto pessoal com todos de onde absorvi muitos conhecimentos nomeadamente da sua cultura e dei especial atenção ao contacto com a população civil, participando inclusive nalgumas das suas manifestações culturais. Por isso quero reservar este espaço para mais uma vez demonstrar o enorme carinho e amizade pelo povo da Guiné em geral e em particular pelos Manjacos, etnia que habitava em maior número na zona próxima do aquartelamento onde estive colocado. Povo da Guiné que apesar de ter ganho uma guerra, decorridos todos estes anos não conseguiu ainda ganhar a paz. Testemunhos recentes de antigos camaradas que têm tido oportunidade de visitar este país, são prova inequívoca do quanto ainda aquela gente nos admira e estima. Não irei certamente esquecer tão depressa a profusão de sentimentos, odores e de cores que tornavam cada deslocação numa viagem de prazer único para quem como eu ama a natureza. Ainda sinto o cacimbo, o cheiro da terra e os olhares de homens e mulheres extremamente carenciados mas sempre com uma enorme disponibilidade. Também não desaparece da minha memória o rosto de algumas crianças extremamente desprotegidas e carenciadas das mais básicas condições de sobrevivência e a quem na medida do possível tentei proporcionar um pouco de felicidade.







Paisagem da Guiné- Bissau




De todos naturalmente recordo com maior significado, o Augusto Martins Caboiana que na altura teria três ou quatro anos de idade, que vivia no aquartelamento considerado prisioneiro de guerra e a quem disponibilizei muito do meu tempo livre no apoio às suas mais diversas necessidades. Por tudo isto, foi um período da minha vida, vivido de forma extremamente intensa por vezes quase no limite. O dia da partida do Bachile foi vivido com grande emoção, residia em mim um sentimento mesclado entre uma enorme alegria por estar iminente o meu regresso a casa, com um outro de saudade pelos momentos vividos durante dois anos, juntamente com um grupo de seres humanos extraordinários e com os quais partilhei excelentes momentos a par de outros bem mais difíceis e complicados mas que resultaram numa enorme experiência de vida. A Guiné apesar da sua simplicidade, pobreza e do eminente perigo provocado pelo conflito armado, continuava a oferecer-me muito do seu enorme potencial quer paisagístico quer humano que absorvi muito intensamente e que ainda hoje passados que estão trinta e cinco anos guardo na memória com muita saudade todos os momentos vividos. O nascer de um novo dia, o cheiro característico a terra que se fazia sentir particularmente no interior, o sabor das inúmeras variedades de frutos tropicais permanentemente à nossa disposição, a variedade de sons emitidos pelas diversas espécies de animais, o esplendoroso pôr-do-sol, o ruído frenético provocado por uma nuvem de insectos mas particularmente a riqueza do contacto humano, foram sem dúvida algumas das minhas maiores referências. Quando regressamos de uma experiência destas, à seguramente uma perda de inocência, nenhum de nós foi para a guerra e voltou impunemente igual mas, por outro lado adquire-se uma riqueza humana tão grande que só os que por lá passaram conseguem traduzir.




Puto da Guné

4 comentários:

  1. Caro,

    Que saudades! Tambem eu o sinto em cada momento. O cacimbo, não é de admirar, vais continuar a senti-lo e, seguramente pedir por todos os santos para jamais o esquecer. Pois meu amigo, de Africa só se esquece ou tudo ou nada. Não é possivél saltar nenhum momento. Sabes bem que sou um africano, que jamais esquece as origens, e como tal vou transcrever-te, como uma grande amiga define uma pequenina cidade lá no interior de Angola, terra onde vivi parte da minha infância, o Cubal. Perceberás, então, porque jamais o poderei sentir e esquecer.

    “Era uma vez uma cidadezinha embrulhada no cacimbo, no perfume inconfundível do sisal e nos panos e missangas das “Muanhas””.

    Meu amigo, continua a sentir as marcas do teu passado, pois só assim, podes ter a certeza de que de facto estás "vivo".

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  2. Fui pesquisar sobre a tua terra "CUBAL" e fiquei fascinado com as imagens disponíveis e com alguns apontamentos de teus conterraneos.
    um abraço
    A BRANCO

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  3. Caro Branco: Sou o Martins, fui o comandante da CCAC 16 em 71/72. Gostaria muito que me telefonasse para 0085366616120. Um abraco.

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  4. Caro José Martins
    Foi uma agradável surpresa o seu comentário no meu blogue.
    Para ser mais fácil identificar-me, sou o ex 1º cabo António Branco que o meu capitão foi buscar no seu jipe a Teixeira Pinto no dia 6 de Junho de 1972. Depois fui colocado na arrecadação de fardamento e material cujo responsável era o ex 2º sargento Guerreiro.
    Tenho procurado no blogue do Luis Graça e camaradas da Guiné encontrar alguns ex camaradas desse tempo, mas a tarefa não tem sido fácil.
    Consegui recentemente contactar o ex 1º cabo operador cripto Miranda e o ex furriel Parreira e continuamos com a esperança de encontrar mais alguém.
    Logo que possível tentarei o contacto telefónico consigo e entretanto deixo o meu endereço de e mail para se o desejar ser mais fácil trocarmos mensagens e recordar-mos alguns momentos vividos hà trinta e sete anos
    Um abraço
    António Branco
    asdbranco@gmail.com

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